O transporte é uma das piores coisas pra gente

Anazir Maria de Oliveira, Zica Moradora da Vila Alinça, Zona Oeste do Rio de Janeiro
Imagem: Acervo pessoal Zica

Meu nome é Zica. Eu moro na Vila Aliança desde 1964. A vinda para a Vila Aliança foi meu segundo processo de remoção. Eu morava em São Cristóvão e fui removida para a Penha e da Penha para a Vila Aliança. Como todas as remoções, foi um processo muito ruim, porque a gente sai de uma comunidade onde temos a nossa vida toda construída e chegamos numa comunidade nova, com vizinhos novos, moradores novos, muda tudo; uma nova relação, um novo ambiente. Mas o que mais assustou a gente e que fez a gente cair na realidade foi que não tínhamos nenhuma assistência estrutural do poder público. Nós não tínhamos iluminação pública, escola para as crianças, não tínhamos asfalto; então era apenas a casa, porque nada nos beneficiava. Com o tempo e com a luta, fomos conseguindo serviços e equipamentos que precisávamos, como iluminação, escola, posto de saúde. Só não conseguimos melhorar o transporte.

Em Vila Aliança, demoramos 15 anos para conquistar o transporte, mas hoje não temos transporte dentro da comunidade. No início, não tínhamos uma linha de ônibus que levava para o centro da cidade. Nosso transporte vinha do Coqueiros, que é quase em Campo Grande e vinha da Vila Kenedy, mas quando chegava na Vila Aliança não tinha como a gente entrar no ônibus. Super cheio! Da Vila Aliança para o centro de Bangu é mais ou menos 15 minutos andando. Era essa a nossa trajetória. E tínhamos um sério problema quando chovia. Nós conseguimos, apenas 15 anos após a construção da Vila Aliança, uma linha de ônibus que ia da Vila Aliança até o Largo de São Francisco. Com muita dificuldade também, porque a população é grande; mas pelo menos tínhamos uma linha de ônibus.

Aí continuamos lutando pelo transporte, porque não tínhamos transporte para o centro e para regiões mais próximas. Depois, com muita luta, lotando a Secretaria de Transporte, levando nossas reivindicações, conseguimos uma linha de ônibus de Campo Grande à Cascadura. E uma outra linha de Campo Grande à Marechal Hermes. Essas duas linhas cortavam a comunidade de modo que tínhamos transporte quase que na porta. Mas com o passar dos tempos, hoje nós praticamente não temos mais nenhuma das duas linhas. A linha que nós conquistamos, hoje ela ainda existe, mas só rodam dois ônibus: um às cinco horas da manhã para a cidade e volta nove horas da noite. Não temos mais nada. Temos uma Kombi que corta a comunidade toda e as motos. O transporte é uma das piores coisas pra gente. E nesses anos todos a comunidade foi crescendo. Eram o filhos que se casavam e tinham filhos e começou a se formar complexos, cresceu muito a população e hoje a gente está nessa situação.

O trem é o melhor transporte pra nós dessa região. O trem da linha Santa Cruz, que é a nossa linha, era direto. Ele saía da Central até Deodoro; já saía lotado. E de Deodoro à Santa Cruz ele ia parando. Então o que acontece: há uns seis meses, mais ou menos, o trem de Santa Cruz é parador. Da Central à Santa Cruz é parador; então ele vai parando e lotando a cada estação. Não tem mais trem direto. Então você imagina como fica a aglomeração! Por mais que se faça milagre, não tem como manter o distanciamento. E a maioria dos passageiros pouco usam máscaras; tanto no trem quanto no ônibus. Às vezes eu entro no ônibus e fico analisando: de 10 pessoas 4 usam máscaras.

O nosso transporte da comunidade, que são as kombis, a gente exige que todos usem as máscaras. Os motoristas das kombis usam máscaras, mas não exigem o mesmo dos passageiros. Então a questão da pandemia que estamos vivendo na Zona Oeste, ela é torturante, poucas pessoas usam máscara. E a questão mais séria são os comércios: pela minha avaliação, apenas em um supermercado é que os empregados e patrão usam máscara. Nós temos três mercados na comunidade, vários sacolões e ninguém usa máscara. Isso preocupa muito. E a gente tem tido um grande número de perdas de vidas aqui na comunidade. Tem muitas mortes. Na minha rua não houve óbito, mas muitas pessoas se contagiaram. E assim a comunidade toda. Muitas pessoas tem passado pelo contágio, muitas pessoas vêm perdendo a vida.

Todo final de semana tem bailes; eles continua acontecendo. Tudo isso é a causa dessa situação bem difícil que a gente está vivendo na pandemia.

A clínica da família está vacinando. A vacinação está acontecendo, mas há uma resistência muito grande da população. Muitas famílias estão resistindo. Tipo assim: “vou esperar o que vai acontecer”. Além do que a resistência tem sido motivada pelo incentivo maior do Governo Federal, porque há muitos seguidores dele aqui no bairro. E essas pessoas são resistentes à vacina e ele incentiva essa resistência. Para ele está tudo bem, “é só uma gripezinha”. Por isso as pessoas vão acreditando nisso e estão se recusando.

Mas é preciso muito mais vacina, porque apesar da resistência de alguns, a grande maioria das pessoas deseja se vacinar.

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