Dia da favela interrompido por operação policial

Djefferson Amadeus, pesquisador do projeto Centro Urbanos da Cooperação Social da Fiocruz
Imagem: André Lima

Novembro Negro. Mês da consciência negra. E também o mês do dia da favela. Mês de comemoração, certo? Em tese sim, mas não para a maioria das pessoas moradoras de favelas, especialmente da Complexo de Manguinhos. Isto porque, conforme a reportagem transmitida no RJTV (Globo), em 5 de novembro de 2021, os moradores sofreram com inúmeras operações policiais.

Segundo Fábio Britto, um dos líderes das associações de moradores de Manguinhos, as operações policiais foram desreipeitosas, sendo mui­tas delas à noite – motivos que levaram-no a exigir, ao vivo, na Globo, “uma resposta do governador do porquê do Bope estar realizando es­sas operações, ainda por cima na semana em que se é comemorado o Dia da Favela.”¹

A preocupação dele e de todos os moradores e moradoras de Mangui­nhos tem sentido, afinal de contas, nestes 15 anos, de acordo com a pesquisa do grupo Geni, “13.584 pessoas perderam a vida pelas mãos das forças policiais, grande parte delas nas 11. 383 operações policiais realizadas entre 2007-2021 na Região Metropolitana.”²

E a situação torna-se ainda mais preocupante quando se olha a lei de diretrizes orçamentárias do Estado do Rio de Janeiro para 2022, con­forme muito bem pontuou a pesquisa da iniciativa direito à memória e justiça racial³, pois há a previsão de novecentas mil munições para a polícia militar e novecentas mil munições para a polícia civil, ou seja: quase 2 bilhões de munições para 2022 como meta!⁴

¹ https://g1.globo.com/rj/rio-de-janeiro/noticia/2021/11/05/moradores-do-complexo-de-manguinhos-fazem-protesto-contra-as-operacoes-do-bope-na-comunidade.ghtml

² http://geni.uff.br/wp-content/uploads/sites/357/2021/11/Relatorio-embragos_GENI_FOGO.pdf

³ https://dmjracial.com/wp-content/uploads/2021/05/LDO-2021-PRODUCAO-DA-MORTE-3-1.pdf

http://www.fazenda.rj.gov.br/sefaz/content/conn/UCMServer/uuid/dDocName%3aWCC42000022000

Isto, a toda evidência, talvez explique por que na operação do Salguei­ro, que culminou com a morte de 9 pessoas, os próprios policiais te­nham relatado no inquérito, em matéria veiculada no Fantástico, que eles teriam dado mais de 1.500 tiros naquela operação.⁵

Ora, tendo em conta que muitas munições têm um período de validade relativamente curto, sobretudo se não forem armazenadas na tempe­ratura e em locais adequados, variando entre dois ou três anos,⁶ con­clui-se que as polícias têm que usar quase dois bilhões de cartuchos em dois ou três anos…

Aliás, ainda sobre a operação no morro do Salgueiro, conforme repor­tagem veiculada no Fantástico e documento oficial apresentado na re­ferida matéria, quatros policiais teriam – somente eles – disparado mais de 600 tiros.⁷

Diante de todo este cenário de guerra, moradores de Manguinhos, ins­tituições, coletivos, movimentos sociais e defensores de direitos hu­manos se juntaram (não para enfrentar o Estado ou a polícia), mas apenas para buscar soluções pacíficas a fim de acolher as demandas da população local.

Depois de inúmeras reuniões que contaram com o Conselho Comu­nitário de Manguinhos, Fórum Social de Manguinhos, Mães de Man­guinhos, Associações de moradores, comissão de direitos humanos da

5 https://g1.globo.com/rj/rio-de-janeiro/noticia/2021/11/05/moradores-do-complexo-de-manguinhos-fazem-protesto-contra-as-operacoes-do-bope-na-comunidade.ghtml

https://defesa.org/dwp/como-armazenar-municoes-por-longos-periodos/ “Neste contexto, começar a armazenar munição HOJE se torna uma necessidade, porém, as munições em geral possuem um período de “validade” relativamente curto. Em condições normais, a munição pode ficar armazenada por 2 ou 3 anos. A partir deste prazo, ela tende a não funcionar direito, podendo falhar com muito mais frequência ou, deflagrar-se com bem menos energia do que um disparo normal.”

https://g1.globo.com/rj/rio-de-janeiro/noticia/2021/11/05/moradores-do-complexo-de-manguinhos-fazem-protesto-contra-as-operacoes-do-bope-na-comunidade.ghtml

OAB-RJ, Defensoria Pública e inúmeras outras instituições e coletivos, surgiu a ideia de uma caminhada pacífica por direitos em Manguinhos, conforme os registros a seguir:

O Supremo Tribunal Federal está próximo de julgar a ADPF 635, que fi­cou popularmente conhecida como a ADPF das favelas. Este julgamen­to, considerado pelo Ministro Fachin como o mais importante da his­tória do STF, objetiva analisar a implementação de algumas demandas de inúmeros movimentos sociais, cabendo destacar:

Utilização de ambulâncias, impossibilidade de utilizar helicópteros como plataforma de tiro, proibição de usar escolas, creches e hospitais como base de operações policiais em confrontos, prioridade no caso de mortes envol­vendo crianças e adolescentes, proibição de mandado coletivo genérico, preservação da cena do crime, investigação independente para a investi­gação de homicídios praticados por policiais, nos últimos 15 anos, a ADPF das favelas representou a maior redução da letalidade policial, houve uma redução em 23% dos crimes contra a vida e em 39% dos crimes contra o patrimônio, comunicação ao MP sobre as operações policiais, plantão do Ministério Público, proibição que governadores incentivem a letalidade po­licial, polícia impôs sigilo de 5 anos em relação aos fatos oriundos da chacina no jacarezinho, implementação de câmeras, plano de redução da letalida­de policial, melhorias para os policias, a exemplo de tratamento psicológico adequado, dentre outras coisas.

Caminhando para o fim deste artigo, que terá continuidade após os desdobramentos do julgamento no Supremo Tribunal Federal, vale destacar que um dos pontos principais reivindicados pelos movimen­tos sociais foi a suspensão das operações policiais durante a pandemia, pedido acolhido pelo Ministro Fachin. A exceção ficou por conta das situações excepcionais que vêm gerando um intenso debate quando se olha os motivos alegados pelas polícias para fazerem operações poli­ciais, conforme anexos contidos no ofício eletrônico n° 182448/2020/ STF do Ministério Público do Rio de Janeiro e a base de operações poli­ciais do Grupo de Estudos dos Novos Ilegalismos (GENI/UFF).⁸

Segundo dados do fogo cruzado: “Em 2020, 22 crianças (com idade in­ferior a 12 anos), 40 adolescentes (com idade entre 12 anos e 18 anos incompletos) e 35 idosos (a partir de 60 anos) foram baleados na Região Metropolitana do Rio. Destes, 8 crianças, 18 adolescentes e 19 idosos morreram. Em 2019, foram 24 crianças, 89 adolescentes e 42 idosos baleados, dos quais, 7 crianças, 53 adolescentes e 35 idosos morreram.”⁹

Ou seja: 24 crianças baleadas em 2019, sendo 7 mortas; e 22 baleadas em 2020, sendo 8 mortas.¹0

Ora, quando se observa que várias crianças foram mortas em operações policiais, a pergunta que fica é: pode ser entendido como excepcional uma operação policial para tirar barricadas ou para parar bailes funks?

Será que faz sentido que a maior quantidade de operações policiais se­jam por estes dois motivos? Dessas crianças, 4 foram mortas dentro das suas casas e 4 foram baleadas também dentro das suas casas.¹¹ Será que justifica? A resposta somente pode ser negativa. Por todos estes moti­vos, os movimentos sociais esperam que o STF e as demais instituições ponham um freio nessa tragédia.

⁸ Fonte MPRJ: anexos contidos no ofício eletrônico n° 182448/2020/STF do Ministério Público do Rio de Janeiro – http://geni.uff.br/wp-content/uploads/sites/357/2021/11/Relatorio-embragos_GENI_FOGO.pdf.

https://fogocruzado.org.br/tiros-em-escolas-2019/

¹0 https://fogocruzado.org.br/tiros-em-escolas-2019/

¹¹ http://geni.uff.br/2021/11/23/por-um-plano-de-reducao-da-letalidade-policial-e-sua-supervisao-pelo-observatorio-judicial-sobre-a-policia-cidada/

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