No município do Rio de Janeiro temos seis Centros de Atenção Psicossocial Álcool Outras Drogas (CAPS AD). Todos se encontram na zona norte e zona oeste, em bairros como Bonsucesso, Maré, Méier, Madureira, Jacarepaguá, Santa Cruz. Esses lugares são marcados pela presença de complexos de favelas, com grande número de pessoas em situação de rua e de cenas de uso de drogas. As cenas fazem parte das ações territoriais dos CAPS AD, o que intensifica as demandas de cuidado aos usuários de drogas por esses serviços.
O cenário da pandemia modificou um trabalho já realizado em cima de emergências cotidianas nesses espaços vulnerabilizados. O distanciamento social deixou a falta – caracterizada pela falta de profissionais, d e insumos de trabalho, até à falta de luz, água, alimentação – ainda mais evidente e demarcada na vida dos usuários, o que afetou a relação com profissionais e com a rede. A Rede de Atenção Psicossocial (RAPS) possui desafios inerentes ao tratamento com usuários de drogas, em que suas trajetórias com diversas fraturas, mostram projetos de tratamentos modificados e continuamente repactuados. Mudar a rota nos cuidados na relação paciente x profissional é uma realidade diária para os serviços que trabalham na clínica AD, mas o vácuo e a solidão trazidos com a pandemia, fizeram com que esses esforços fossem intensificados.
O que houve não foi apenas a alteração da conduta das equipes, mas a inviabilidade devido à ausência de possibilidades de isolamento, o que aumentou os riscos diante de avaliações que deveriam ir além da sintomatologia. O sentido provisório do tratamento AD foi acentuado a partir de determinantes que firmam o lugar desigual desses grupos na prática e na produção do cuidado. Os CAPS AD tiveram que montar sua força de ação e criatividade nas margens para responder a essa crise, que acentuou a fragilização da rede – tanto formal, quanto informal.
Imagem: Rodrigo Pereira
Nesse processo, foi necessário repensar condições para promoção de saúde nos contextos afetados. Houve a necessidade de que os fluxos da rede se dessem de forma mais intensa, com mais intensidade na comunicação sobre os casos, para que recalculassem as rotas do cuidado com equipes reduzidas, tendo ainda que sustentar as regras do isolamento e distanciamento. Trazer para os pacientes as informações da forma de contágio e integrar água, sabão e álcool em seus cotidianos não foi ponto tão simples. Assim, ter os usuários mais próximos e de modo mais participativo nas reuniões e ações externas foi um ponto importante a ser destacado. Essas questões visibilizaram, ainda mais, a fragilização da rede para a sustentação do processo dos tratamentos, entretanto, a entrada dos usuários ao apresentarem suas perspectiva e vontade de ação e aprendizado se configurou numa potencialidade a ser explorada.
A pandemia mostrou a centralidade do trabalho intersetorial da rede e como o usuário deve ser chamado, e convocado, para essa equação. Como se sustentar escolhas, vindas de desejos múltiplos e por vezes contraditórios, que faz com que a equipe tenha que reestruturar a rota sucessivamente? As novas contingências levaram a uma nova gestão das urgências, em que as faltas, a solidão e a contradição no projeto terapêutico de cuidado tiveram ainda mais evidência. No entanto, essa falta e o vazio que os usuários falavam durante o distanciamento social, abriram espaços para ver que a contradição mostra que o processo está em andamento, que não permite que haja paralisia na criação da rede, e que o trabalho intersetorial ganha mais sentido. O cenário da COVID-19 deixou claro que quando se chama o usuário para resistir junto à equipe profissional a solidão diminui.