Ano novo, variante nova, o que não é novo é o tratamento dado a população favelada no Rio de Janeiro. Em pleno surto de contágio da Omicron, ficou ainda mais evidente para mim a discrepância entre o Vidigal para os turistas e o Vidigal para os moradores. Posto de Saúde superlotado, filas de mais de 4 horas de espera para testagem, quadro de funcionários reduzidos por contágio entre quem está na linha de frente. A falta de estrutura do posto também é um problema, o posto que se divide em duas partes, não tem espaço de espera para quemprecisa usar o serviço de saúde.
Para aguardar o atendimento, as pessoas se espremem nos becos laterais ao posto, sem ter onde se sentar, expostas ao sol ou a chuva e sem distanciamento para evitar o contágio de doenças virais como a Covid. Exposto também está o fato de o poder público mesmo que diante do turismo, ainda mantém a favela sob sua ausência.
Durante a alta de contágio na rimeira semana de janeiro, procurei o posto para testagem a pedido da empresa em que trabalho, no mesmo dia mais de 150 pessoas testaram positivo como eu. Adultos e crianças receberam o mesmo tratamento, mesmo que a vacinação ainda não tivesse chegado para os menores de 12 anos, na parte em que estruturaram o setor de atendimento para quem chega com os sintomas de covid, nos fundos do posto, mães com bebês de colo esperaram o atendimento e por diversas vezes desistiram para recorrer à UPA da Rocinha. Adultos que recorreram a alguma orientação para não se expor a fila desnecessariamente, não tiveram atendimento adequado. Por vezes vi casos de destrato por parte da equipe, que por sua vez se desdobrou para dar conta da demanda imensa com pouquíssima estrutura de espaço e de serviço.
Imagem: Day Medeiros
Ainda que com a vista privilegiada que faz com que a favela do Vidigal esteja entre os lugares do Rio com os valores mais altos do metro quadrado, os mais de 13 mil habitantes (segundo o Censo de 2010) que em sua maioria são proletários e informais com renda baixa, lidam diariamente com a falta do serviço público de qualidade, não só na saúde, mas também a falta de transporte público obriga os trabalhadores a se esmagarem nas vans que ligam a favela ao metrô e carregam quase aproximadamente 40 pessoas nos horários de pico, sem nenhuma condição de manter os protocolos sanitários da pandemia. O fechamento da única via de acesso a comunidade complica ainda mais a saída dos moradores para o trabalho durante a semana, a creche e a escola municipal que atende o morro está em situação precária de estrutura e corpo docente. E o custo alimentar é superfaturado ao preço de uma comunidade que sobrevive do turismo.
Vale ressaltar que antes de o Vidigal ser reconhecido pelo potencial turístico e seus famosos bares e festas, a favela foi uma das pioneiras na luta contra as remoções da década de 60 e que a força popular era uma forte característica da comunidade.
Uma moradora que se tornou parte do Comitê de Saúde da Prefeitura do Rio vem reunindo assinaturas para a transferência do posto de saúde para um local com melhor estrutura. Aos gritos para ser ouvida pela população que sofre em pé na fila do posto, contou sobre o projeto que nunca saiu do papel, pediu que os moradores cobrem dos políticos que chegam no morro as vésperas das eleições prometendo favores em troca de votos e que mobilizem a vizinhança para ir até a associação de moradores onde é possível ter acesso a um abaixo assinado que
será entregue à Secretaria Municipal de Saúde.
Imagem: Day Medeiros
Concluo com um trecho da canção Vidigal do multiartista Sérgio Ricardo que é referência de luta no Vidigal e que inspira a mobilização popular para garantir seus direitos de sobrevivência:
“Se vem o mal
Toda favela se levanta
Seja lá quem for se espanta
Se vem tirar chinfra de lei
Sua tramóia já sei de cor
Só porque tem seu poder
Pensa que pode mais que um sofredor
Tramar tramou
Mas se derrubou
Não se brinca com o poder
Que o poder do povo é bem maior”
Pelo serviço público de qualidade, trabalhadores e moradores da favela do Vidigal, uni-vos!