Esperançar: gestação, apoio mútuo, direito à vida e maternidade na favela de Acari

FLAVIA CASCIANO. É mãe, favelada e nordestina (CE). Doula, formada pela primeira turma da Qualificação Profissional de Doula,pela Escola Politécnica de Saúde Joaquim Venâncio (Fiocruz), Educadora Perinatal, Consultora em Lactação, é formada e premiada em Arte Gestacional. Milita no combate á violência e ao racismo no ambiente obstétrico.
Foto: Projeto Gestarte Acari

O Complexo de Acari está localizado na Zona Norte da Cidade do Rio de Janeiro, sendo circundado pela Linha 2 do Metrô, a Avenida Brasil e o Rio Acari, que dá nome à região. Com uma população de 27.347 habitantes, conforme o censo de 2010, o território enfrenta sérios desafios socioeconômicos, apresentando o terceiro pior Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) da cidade, com um índice de 0,720, e a segunda menor renda per capita do município, estimada em R$ 147,12 por pessoa.

Na área, estão localizadas duas Clínicas da Família: a Clínica Marcos Valadão e a Clínica da Família Enfermeira Edma Valadão. Anteriormente, havia a Maternidade Municipal Mariana Crioula, situada no Hospital Municipal Ronaldo Gazolla.

A mortalidade materna é aquela que ocorre durante a gravidez, o parto ou até 42 dias após a mulher dar à luz. No estado do Rio de Janeiro (RJ), o projeto de pesquisa “Desigualdades nos indicadores de saúde da mulher e da criança no Estado do RJ”, da Universidade Federal Fluminense (UFF), monitorou que a taxa evoluiu de 61,7 em 2018, para mais 130 óbitos por 100 mil nascidos vivos, entre 2020 e 2021, durante a pandemia, e que a média para mulheres pretas atingiu mais que o dobro quando comparada com as ocorrências entre brancas e pardas, passando de 220 óbitos por 100 mil nascidos vivos.

O projeto de pesquisa “Desigualdades nos indicadores de saúde da mulher e da criança no Estado do RJ”, da Universidade Federal Fluminense (UFF), monitorou que a taxa evoluiu de 61,7 em 2018, para mais 130 óbitos por 100 mil nascidos vivos, entre 2020 e 2021, durante a pandemia

Segundo dados do Observatório Epidemiológico do Rio (EpRio), entre 2010 e 2019, a Maternidade Municipal Mariana Crioula, no território de Acari, registrou o maior número de óbitos maternos na cidade do Rio de Janeiro, representando quase 20% de todas as mortes no município somente em 2019.

Durante a pandemia de Covid-19, o hospital foi designado exclusivamente para o tratamento da doença, resultando no fechamento da maternidade. Gestantes de alto risco e aquelas em trabalho de parto, que antes tinham acesso ao atendimento próximo, passaram a ter que se deslocar mais de 11 km até a nova maternidade de referência, a Maternidade Alexander Fleming, mesmo estando no grupo de risco para Covid-19.

Nesse cenário, nasce o Projeto Gestarte, em agosto de 2021, no começo da abertura pós pandemia, com muitas gestantes do território fragilizadas. Os encontros eram feitos em roda, mas com distanciamento social, álcool e uso obrigatório de máscaras. Conseguimos, com apoio do Coletivo Fala Akari, doar cestas básicas e produtos de limpeza e higiene pessoal para as pessoas participantes, os temas eram escolhidos por elas mesmas e, ao longo dos encontros, um dado absurdo se mostrou… Todas as gestantes do grupo que não estavam na primeira gravidez já tinham perdido um ou mais filhos na gestação ou no pós parto imediato. Ali entendi que o trabalho não era só sobre rede de apoio e acolhimento, mas sobre salvar vidas e ressignificar a maternidade.

Sempre ouvi do nosso mais velho Deley de Acari sobre como era importante trabalhar com vida, parto, maternidade em um contexto de força e alegria no espaço que leva o nome das Mães de Acari, esse movimento social pioneiro na luta das mães de vítimas de violência de Estado. Mas eu também via como uma responsabilidade muito grande!

Foto: Projeto Gestarte Acari

Em setembro de 2023, nos reencontramos e tivemos a alegria de, após 2 anos de projeto e centenas de famílias atendidas, não ter tido nenhuma perda gestacional ou materna, o que fortaleceu a nossa consciência sobre a importância do nosso trabalho de informação de qualidade e rede durante o ciclo gravídico puerperal. Importante frisar que hoje, 15 de maio de 2024, ainda não temos a Maternidade Mariana Crioula de volta e a Prefeitura do Rio de Janeiro segue mostrando- se contra a retomada do atendimento aos partos na unidade. Essa segue sendo nossa bandeira, que a Maternidade volte, mas volte com atendimento digno e respeitoso para as gestantes e mães de Acari. Esse ano, depois da inundação, o trabalho do Gestarte está voltando aos poucos, em parceria com Clínicas da Família de Acari e de todo o entorno da Região da Grande Pavuna.

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