A chuva não é o problema

Rejany Ferreira dos Santos. É geógrafa, mestre em Dinâmicas dos Oceanos e da Terra pela UFF. Integrante do Observatório da Bacia Hidrográfica do Canal do Cunha e da Cooperação Social da Fiocruz

Brunna Arakaki. É comunicadora e produtora da plataforma Cidades em Movimento, do projeto de Promoção de Territórios Saudáveis e Sustentáveis em Centros Urbanos da Cooperação Social da Fiocruz (PTSSCU/CCSP/Fiocruz).
Imagem: Rejany Ferreira

As chuvas intensas de abril impactaram as populações de algumas cidades do Rio de Janeiro e causaram muitos prejuízos materiais, ambientais e, sobretudo, a perda de vidas.

Deslizamentos, alagamentos, inundações, enchentes, rios transbordando que afetaram intensamente territórios socioambientalmente vulnerabilizados como as favelas e periferias das cidades. Casas foram inundadas, outras desceram junto com o mar de lama das áreas mais altas, muros derrubados, moradores e moradoras que perderam tudo.

O Índice Pluviométrico foi muito acima da média e, em algumas regiões, nunca houve registros de chuvas tão intensas como agora. Mas são problemas evitáveis e políticas públicas comprometidas com a garantia de direitos básicos podem mitigar ou, pelo menos, atenuar os impactos das chuvas nesses territórios.

Importante mencionar que fenômenos climáticos como La Niña e El Niño geraram diversas mudanças significativas nos padrões de precipitação e temperatura em todo planeta e, no Brasil, esses eventos atingem todas as regiões do país causando secas, aumento das chuvas e/ou aumento da temperatura. São fenômenos cíclicos que precisam ser considerados no planejamento urbano de obras e ações governamentais. Este ano estamos sob a influência do La Niña, por exemplo.

“Água não é desastre, água é vida”. Este foi um dos lemas apresentados durante o debate público na Câmara Municipal do Rio de Janeiro este ano, na ocasião do Dia Mundial da Água (22 de março). Não é possível responsabilizar as chuvas intensas por todos os problemas. Esta responsabilidade deve ser dirigida, sobretudo, ao poder público. É fato: a chuva cai. As condições em que os territórios se encontram, dizem muito sobre os impactos que essa precipitação causará. Quem vive a escassez de água, a falta de chuvas para as plantações, sabe o quanto ela é importante. Sinônimo de vida.

Os rios precisam ser cuidados, as matas ciliares precisam ser mantidas, realizar o reflorestamento de algumas áreas, diminuir a impermeabilização do solo, realizar obras e implementar tecnologias que possam atenuar ou mitigar desastres… São estratégias e tecnologias que já existem e que precisam ser aplicadas a partir das realidades locais. O problema não é a chuva, mas a falta de planejamento urbano nas cidades atingidas aqui no Rio de Janeiro e em diferentes cidades no Brasil.

A Lei 10.257/2001 que cria o Estatuto da Cidade, principal marco legal para o desenvolvimento dos municípios, determina as normas de ordem pública e interesse social que regulam o uso da propriedade urbana em benefício do bem coletivo, da segurança e do bem-estar dos cidadãos, bem como do equilíbrio ambiental. No seu artigo 2º, o Estatuto da Cidade dispõe que “a política urbana tem por objetivo ordenar o pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade e da propriedade urbana”.

É nessa conjuntura que se insere o plano diretor como ferramenta central do planejamento de cidades no Brasil. Conforme os artigos 39º e 40º do Estatuto da Cidade, o plano diretor é “o instrumento básico da política de desenvolvimento e expansão urbana”. É ele quem deve promover o diálogo entre os aspectos físicos/territoriais e os objetivos sociais, econômicos e ambientais que temos para a cidade. O plano deve ter como projeto distribuir os riscos e benefícios da urbanização, impulsionando um desenvolvimento mais inclusivo e sustentável.

Imagem: Rejany Ferreira

Fica ainda mais nítida a importância legal atribuída a esse instrumento uma vez considerado três fatores:

  • Legalidade: o plano diretor é um instrumento estabelecido na Constituição Federal de 1988, regulamentado pelo Estatuto da Cidade
  • Abrangência: o plano diretor deve abranger o território do município como um todo. Não está restrito a bairros ou partes específicas da cidade.
  • Obrigatoriedade: sua realização é obrigatória para municípios com mais de 20 mil habitantes.

Tudo isso demonstra que já existem legislação e ferramentas que contribuem para um projeto de cidade que inclua a todos os cidadãos, assegurando o bem-estar, de modo a preservar o meio ambiente, promover qualidade de vida para toda população e garantir um desenvolvimento urbano equânime para toda sociedade em todas as regiões do município.

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