Entre tantas pautas importantes como soberania alimentar, vacinação para todos, racismo ambiental, falta de acesso à internet, à educação de qualidade, entre outros debates sociopolíticos recorrentes,
ficou evidente para quem vive, atua e estuda as demandas dos territórios periféricos, que as ações dos coletivos e movimentos sociais foram fundamentais no combate à fome durante a pandemia.
E que a rede criada durante o processo que se estende até os dias atuais, entre os que protagonizaram essas ações, caminhou como o melhor resultado das lutas pela redução das desigualdades e da garantia do direito à vida nesse período pandêmico, reflexo do trabalho que muitos já faziam em seus locais antes da Covid-19 e que sempre foi de enfrentamento à ausência de políticas públicas.
Imagem: Acervo Instituto CASA
O CASA (Coletivo Artísitico Sustentável e Alternativo), que realiza o projeto Missão Arte Educação na Favela do Aço em Santa Cruz, que nunca pretendeu exercer atividades assistencialistas antes da pandemia, trocou as tintas e pincéis por arrecadação e distribuição de cestas básicas para atender as quase 200 crianças participantes, em parceria com o PEPUC Vila paciência e a União Coletiva pela Zona Oeste, com poucos recursos, com pouca estrutura,
essa rede tem provado para além do termo, “nós pelos nossos”, a necessidade do enfrentamento às desigualdades sociais, econômicas, ambientais e educacionais que assolam as periferias como a Zona Oeste. O fortalecimento das redes de apoio coletivo da sociedade civil e organizada é notório e louvável em meio a todo esse caos.
Analisando as atividades do coletivo que nasceu em 2012 e atua em Santa Cruz desde 2018, identificamos que a suspensão das atividades artísticas e culturais caminhou juntamente com a estruturação e institucionalização do coletivo. O grupo de amigos universitários periféricos, que formou um coletivo na Escola de Belas Artes da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), em maio de 2021 se tornou Instituto Casa. Mas, mesmo com a formalização, ainda precisamos refletir sobre o retorno das atividades em meio ao alto número de casos e de internações entre crianças de 0 a 9 anos no Estado do Rio de Janeiro, e também sobre a necessidade de suprir a falta de acesso à educação e artes.
Todo mês durante as entregas das cestas básicas nós ouvimos: – “TIA, HOJE TEM AULA DE ARTES?” – A sensação é que a alimentação básica que estamos conseguindo prover nesses 17 meses de pandemia não é só o que nossos pequenos grandes artistas querem. A arte e a educação, não são menos importantes nesse momento.
Com o começo da vacinação dos educadores, em junho começamos a organizar um retorno de atividades ao ar livre, como a projeção de filmes e atividades e as oficinas de grafite, logo em seguida nos deparamos com um cenário de insegurança e instabilidade dada pelas constantes operações da polícia civil contra a milícia do território. A morte do chefe da maior milícia do Rio de Janeiro e a possível guerra pelo comando colocou mais esse obstáculo para os coletivos que atuam nos territórios da Zona Oeste. Onde o pior cenário nessa situação é o do silêncio e da incerteza que expõe os voluntários e as crias para além da Covid-19. A luta para romper as estruturas que privam o povo periférico de seus direitos, possuem muitas camadas. Como priorizar o distanciamento social frente a tantas lutas? Como ensinar a combater a transmissão do vírus através da higiene se nunca se sabe o dia que vai ter água? Como organizar atividades remotas sem acesso à tecnologia e à internet?
Imagem: Marina Ferreira, acervo do Instituto CASA
São com esses questionamentos, que seguimos nos planejando, iniciamos agosto com uma oficina de grafite, com os números reduzidos, de 33 voluntários para apenas 4, de 200 crianças para apenas 30 (de 4 a 15 anos), de 8 horas para 3. Tudo reduzido, menos a vontade de fazer arte. Após a pintura de um muro cedido por uma moradora, avó de uma das crianças, outros muros foram oferecidos e muitos pedidos de continuidade vindo das crianças e responsáveis que passavam. No nosso quarto ano de Missão Arte educação, está evidente que não podemos deixar de auxiliar com as cestas básicas, mas que é urgente a viabilização de atividades educacionais, artísticas e culturais para saciar outras fomes e “esperançar em tempos de barbáries”.