Dados do Anuário Brasileiro de Segurança Pública (2021), indicam que em 2020 sete cidades do Rio de Janeiro estavam entre as dez maiores do país com as taxas mais altas de letalidade policial e ainda segundo o Boletim Fórum Grita Baixada Ed nº 3 de Março 2022, destas sete cidades, cinco são municípios da Baixada Fluminense: Duque de Caxias, Nova Iguaçu, Belford Roxo, São João de Meriti e Magé. A Baixada Fluminense apresentou em 2021 quase o dobro da taxa de letalidade policial por 100 mil habitantes (11,21) quando comparado a cidade do Rio (6,76). Com isso, a sociedade civil do Município de Nova Iguaçu historicamente luta por um serviço que acolha a nível Municipal as famílias que são vitimadas pela violência Supra Descrita.
Perder um ente por violência letal ou desaparecimento forçado possui grande impacto na convivência social e comunitária podendo acarretar problemas de ordem psicossocial, financeira, de pertencimento e saúde. Por conta disso após movimento histórico de mobilização da sociedade civil organizada do município de Nova Iguaçu, composta por diversos grupos, dentre eles a rede de mães e familiares da Baixada Fluminense e o Fórum Grita Baixada, a Secretaria Municipal de Assistência Social resolveu por constituir o Núcleo de Atendimento a Vítimas de Violência de Estado e seus familiares e organizar os atendimentos no âmbito dos equipamentos da Assistência Social da cidade de Nova Iguaçu criando o Comitê gestor intersetorial.
Este serviço visa qualificar o atendimento via política de Assistência Social, dos Cidadãos iguaçuanos que sofreram violência de Estado ou que sofreram violência institucional, ou seja, familiares de vitimizados que sofrem com as consequência dessa violência, com atenção especial aos recortes de gênero e raça.
Os atendimentos e acompanhamentos sociais de famílias vitimadas pela violência de Estado que são realizados pelas equipes de referência que compõem a proteção Social Básica e Especial da política de Assistência Social, partem da premissa que esses eventos violentos fazem parte da práxis que atravessa a rotina desses serviços de proteção a todo momento, portanto cabe também ao mesmo Estado que Violenta, a implementação de políticas públicas que garantam o acesso dos cidadãos aos seus direitos, por hora não respeitados.
Com isso o poder público Municipal se comprometeu a mapear serviços e instituições governamentais e não governamentais que atuam como porta de entrada ou primeiro atendimento para vitimados e seus familiares, assim como serviços e instituições governamentais e não governamentais que se dedicam ao cuidado promoção, defesa e proteção dos direitos das pessoas vitimadas e seus familiares construindo uma rede de apoio intra e intersetorial, estabelecendo fluxos de acolhimento e acompanhamento.
No tocante aos trabalhadores, foi construído um plano de Educação permanente para os profissionais CRAS e CREAS e da rede de apoio para atendimento e acompanhamento e sensibilização além de campanhas, reuniões.
Para tal, fez-se importante constituir metodologia de trabalho. Apoio, atendimento, cuidado e proteção social às famílias, contribuindo para que estas ressignifiquem de algum modo a realidade da violência vivida e suas consequências, Isto realizado através dos serviços, desenvolvidos nos equipamentos CRAS E CREAS através de duas etapas interrelacionadas que são:
1ª) intervenções socioassistenciais,
2ª) acolhimento e ressignificação dos danos sociais/psicossociais causados pela violência.
Sendo, intervenção socioassistencial a responsabilização dos serviços e envolvimento dos profissionais numa cadeia de promoção de cuidado, realização de oficinas, palestras, encontros, seminários, capacitações entre outras atividades que surgirem de cada demanda social. Disponibilizando atendimento psicossocial, de forma individual e familiar, estimulando a realização de grupos reflexivos onde as vítimas de violência possam recuperar, através de sua história, algum grau de autoestima e confiança, sendo capazes de reconhecer seu acolhimento e ressignificação dos danos causados pela violência.
A provocação e luta das organizações sociais para que o ESTADO desse conta das demandas oriundas da violência cometida por ele próprio, ganhou corpo dentro das universidades. A pauta tem sido objeto de estudo, pesquisa e intervenções por meio de projetos universitários de extensão e parcerias. Pensando na territorialização do debate, uma vez que a baixada fluminense tem características diversas da capital. Que a Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro – UFRRJ, somou-se ao movimento pela qualificação e aperfeiçoamento do atendimento a esse público dentro dos CRAS E CREAS.
Através da participação e envolvimento de dois professores do Instituto de Psicologia da UFRRJ, a formação e organização do serviço foi tornando-se possível. Reforço a palavra envolvimento, uma vez que pensar um tipo de serviço especializado, tal qual o NAMVIF, é necessário sentir-se pertencente do processo e do território.
O NAMVIF é um dos primeiros dispositivos públicos do tipo. Poderia ser o último, uma vez que criar espaços, serviços públicos, o que seja, para cuidar-acolher vítimas de violência de Estado, cria em nós a sensação de que criamos mais uma demanda. Entretanto, não instituir espaços como esse, pode tamponar o problema, como se não fosse real, ou problema nosso. Oxalá possamos num futuro bem próximo problematizar serviços como esse, pois o Estado tem exercido sua função finalística, que é proteger seus cidadãos. Enquanto isso não acontece, não me estranha o NAMVIF ser um dos únicos serviços municipais, pois de fato assumir-se como partícipe da produção de violações é obrigar-se também com a construção da solução.