Nesse texto falo sobre violência policial na cidade do Rio de Janeiro e destaco uma favela, na qual eu, autor, moro e baseio as minhas informações. Nele, procuro mostrar um pedaço da realidade de Manguinhos, abordando principalmente fatos acontecidos durante os últimos anos.
Começo falando sobre a truculência policial na minha comunidade, assim como em todo país. Eu, como morador da favela de Manguinhos, vivo isso no dia dia, tenho relatos de amigos e tenho vivência sobre o fato de passar por abuso de autoridade policial, seja ela em uma operação dentro da favela ou numa abordagem normal.
Em relação aos números de casos de violência policial e mortes causadas por operações policiais em comunidades, durante a pandemia, surgiu uma mobilização chamada ADPF 635. Foi numa decisão na ADPF 635 que os ministros do Supremo Tribunal Federal vetaram operações policiais no Estado do Rio de Janeiro, enquanto durar a pandemia, com a ressalva em casos excepcionais e previamente comunicados pelas forças de segurança do Estado ao Ministério Público do Rio de Janeiro. Assim que aprovado, houve uma redução considerável em relação à taxa de mortalidade em operações policiais nas favelas, inclusive na comunidade onde eu moro.
Na minha comunidade, devido à perda de parentes, pessoas que foram assassinadas pelo Estado ou mortes causadas por sua negligência, foi criado por um grupo de mães de vítimas de violência policial um projeto de resistência ao fato de que o povo de favela tem os direitos dos seus filhos desrespeitados pelo Estado. O projeto também tinha e tem o objetivo de acolher mães que perderam seus filhos, oferecendo um apoio moral a elas.
As Mães de Manguinhos são exemplo de resistência das mães que transformam o sofrimento da violência do Estado contra os seus em luta pela justiça e pelo fim dos assassinatos em seus territórios.
Imagem: Acervo Pessoal Ana Paula de Oliveira
O movimento foi fundado por mães moradoras de Manguinhos que tiveram seus filhos assassinados pela polícia da Unidade de Polícia Pacificadora (UPP), que gerou vítimas desde sua chegada. A UPP chegou em Manguinhos em outubro de 2012 e o primeiro homicídio cometido pelos policiais da UPP foi registrado em março de 2013.
A primeira vítima foi Matheus, um jovem de 16 anos, assassinado por uma arma de choque.
Imagem: Acervo Pessoal Ana Paula de Oliveira
A segunda vítima foi Paulo Roberto de 18 anos, que foi espancado até morte por policiais.
Imagem: Acervo Pessoal Ana Paula de Oliveira
A terceira vítima foi Johnatha de 19 anos morto por um tiro nas costas.
Imagem: Acervo Pessoal Ana Paula de Oliveira
Ana Paula Oliveira, mãe de Johnatha, foi uma das fundadoras do Mães de Manguinhos. Ela, diante da dor, foi em busca de justiça por seu filho. Começou a se conectar com diversas outras mães negras, faveladas e periféricas, que também tiveram seus filhos assassinados. Ela, juntamente com outras mães, decidiram criar essa rede de luta contra a violência do Estado.
Nas palavras da própria Ana Paula,
“Mães de Manguinhos é uma rede que luta contra todos os tipos de violência, principalmente a policial. Acolhemos familiares de vítimas, estamos na linha de frente dessa luta em busca da memória, de justiça e da verdade. São as mães que estão juntas nessa luta!”
Ana Paula e todas as outras mães que formam o Movimento Mães de Manguinhos são exemplo das redes de apoio que mulheres criaram após sofrerem com a violência do Estado. As mulheres estão sempre em movimento, em busca de fortalecimento e justiça pelos seus. Nas palavras de Ana Paula:
“Quando refletimos sobre a necessidade de reivindicar paz com garantia de direitos, fica evidente que não é de qualquer paz que estamos falando. Não falamos de uma paz abstrata, mas aquela proporcionada pela garantia dos direitos fundamentais civis e constitucionais. Mas ainda estamos lutando para garantir direitos básicos? Parece um tanto anacrônico que a preservação da vida ainda seja uma bandeira permanente de enfrentamento. Nas mesmas comunidades que produzem o carnaval, conhecido mundialmente, os moradores ainda sofrem com as desigualdades sociais e econômicas que se acentuam violentamente, e lutar por direitos ainda é necessário e urgente.”