Construções abandonadas na cidade do Rio de Janeiro, herança do período fabril, estão localizadas na Zona Norte. Desassistidas, devido à especulação imobiliária que torna a região palco de infindáveis ações judiciais, têm seu espaço ressignificado pela ocupação de moradores e transformadas em habitações. Este é o caso de uma instalação industrial que fica em um dos acessos da favela do Jacarezinho, conhecida como Carandiru, o mesmo nome do presídio em São Paulo, onde ocorreu um massacre há 28 anos atrás, que matou oficialmente 111 presos.
Na ocupação Carandiru, cerca de 200 pessoas separadas por divisas de madeira e cortinas ocupam um prédio de 4 andares na Rua Miguel Ângelo. Berço de um dos maiores complexo fabril do século XX e uma das maiores favelas da cidade, o Jacarezinho teve seu processo de ocupação alinhado ao crescimento da cidade e expansão da linha férrea. A proximidade com o centro da cidade foi um fator decisivo na ocupação da região e também das construções abandonadas. Muitos moradores encontram nesta vizindade às áreas centrais oportunidades de emprego e escolas, além de maior garantia de direitos, embora tenham que encarar as condições inóspitas dessas habitações.
Em meio a pandemia da Covid-19, as principais ordens de segurança decretadas pela Organização Mundial da Saúde previam o isolamento social como arma fundamental na contenção do vírus, alinhados a cuidados com a higiene. Lavar as mãos com água e sabão se transformou em lição fundamental. Dos mais jovens aos idosos, a lavagem correta é a maior proteção para si e para quem convivemos. Mas como cumprir tais orientações nessas condições de moradia? Esse foi o maior desafio dos ocupantes do Carandiru, que abre debate para falar sobre as moradias ocupadas na cidade do Rio de Janeiro. De forma oficial, não há dados sobre casos de Covid-19 porque não houve testagem, mas em uma das ações, quando atendemos 40 famílias, mais da metade relatou sintomas.
Afinal, há direitos resguardados àqueles que ocupam?
É inegável que as cidades vivem um momento de crise habitacional, que não se inicia neste século. Desde o início das remoções de populações negras e trabalhadoras do Centro e Zona Sul da cidade em meados do século XX até a retirada de famílias da zona portuária para construção do Porto Maravilha o aparato utilizado e as técnicas de governo são as mesmas: buscam estabelecer estratégias de contenção social e assegurar que aqueles que estão nas margens, estejam longe das vistas dos investidores e elites capitalistas. Se antes a segregação espacial estava na alçada das autoridades sanitárias que condenavam os sobrados localizados nas áreas centrais, hoje a reconfiguração do meio urbano está em detrimento da higienização da paisagem, pelo bem-estar daqueles que temem que seus investimentos sejam prejudicados. Enquanto isso, inúmeros imóveis empresariais que não cumprem qualquer função social estão abandonados. Isso, em paralelo aos milhares de cidadãos em situação de rua ou vulnerabilidade habitacional. Muitos fazem uso dessas ocupações como única forma possível de habitar a cidade e garantir os proveitos que a cidade tem para oferecer. Embora ocupando em condições subumanas, sem acesso a água, luz e saneamento, improvisando formas de sobrevivência, estão ali lutando pelo direito à moradia digna e inclusão cidadã. Todos nós constitucionalmente temos o direito à moradia, para que este direito seja garantido é fundamental que os interesses da maioria empobrecida sejam levados em maior consideração que os lucros das elites. E agora, em plena pandemia, garantir que esses sujeitos tenham atenção do Estado é fundamental para a dignidade humana. Precisamos olhar quem são os rostos que compõem essas ocupações, quem são os rostos do Carandiru e promover a integridade das famílias que também são parte dessa cidade.