Entrevista com Carlos Tukano

Entrevista com Carlos Tukano Por Fábio Araújo, Sociólogo, editordo Radar Covid-19 Favela.
Imagem: Acervo pessoal Carlos Tukano

Você poderia se apresentar e contar um pouco da sua trajetória até chegar no Rio de Janeiro?

Eu sou Carlos Antônio Fernandes Machado, nome cristão que me deram. Meu nome de origem é Carlos Doethyró Tukano, etnia Tukano, do estado do Amazonas, da região do Alto Rio Negro, município de São Gabriel da Cachoeira. Eu nasci e me criei na reserva indígena de Pari-Cachoeira. Até meus quinze anos eu não saí para canto nenhum, não havia nenhuma cidade vizinha próxima porque lá é muito distante das grandes cidades como Manaus. É só floresta. Então muito pouco eram conhecidas as pessoas estranhas como os brancos. Como o Brasil foi internacionalizado, a nossa região foi internacionalizada, Brasil, Colômbia, Venezuela, Peru, Bolívia. Eu nasci na região fronteiriça de Brasil-Colômbia, nasci do lado brasileiro e outros tukanos ficaram do lado da Colômbia. Os que nasceram do lado da Colômbia são tidos como tukanos ocidentais e os que estão do lado brasileiro são tidos como tukanos orientais.

Como foi sua chegada no Rio de Janeiro?

Eu cheguei na cidade do Rio de Janeiro na década de 1990. Eu chegando no Rio de Janeiro comecei a trabalhar como instrutor, educador indígena no Museu do Índio, durante 10 anos, de 1997 a 2007. Aqui eu encontrei vários grupos e indivíduos indígenas de outras etnias, do nordeste, norte, sul, sudeste, centro-oeste, de diversas etnias. Eu não sabia que tinha outras etnias no Brasil, para mim foi uma novidade ter outros indígenas falantes de outros idiomas, outros dialetos, outras línguas, outros costumes. Foi uma das razões da minha vida desvendar esse mistério e levar para a minha terra, para a terra onde eu nasci e me criei para promover assembleias, reuniões, eventos, para também reivindicar nossos direitos, porque nós estávamos muito distantes dos grandes centros, de cidades onde estavam concentrados os poderes (judiciário, legislativo).

Qual é a condição do indígena em contexto urbano?

Hoje nós não temos nenhuma lei que reconheça o indígena em contexto urbano, a não ser um dado da Convenção n. 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), mas nenhuma lei oficial. Ela não declara o reconhecimento pelo Estado do sujeito indígena, é simplesmente a pessoa afirmando que é indígena. Nem a Funai, nem a OIT, dá o direito de dizer que você é índio. É a pessoa que tem que se reconhecer e pegar documentos, o que é difícil. Nós temos o Registro Administrativo de Nascimento de Indígena (Rani) que são expedidos nos municípios em proximidade com as aldeias. O Rani é necessário hoje para quem vai ingressar nas cotas indígenas nas universidades e para alguns benefícios como aposentadoria como trabalhador rural. Aqui é complicado. Há muita migração dos povos indígenas para as grandes cidades como Manaus, Belém, Brasília… aqui no Rio de Janeiro, São Paulo, onde existe o maior número de migração dos povos indígenas, sonhando com uma vida melhor, mas quando chega lá, se depara com uma realidade totalmente diferente, porque não tem espaço para os indígenas. Os piores lugares que existem são oferecidos para o índio. Por mais que ele tenha um nível superior de ensino ele nunca conquistará o espaço melhor porque ele é indígena, então ele é tido como um indígena selvagem que não tem cultura, culturalmente ignorante, economicamente pobre. Há um êxodo muito grande dos povos indígenas para as grandes cidades, morando em palafitas, morando em favelas, morando em morros, nas áreas de risco. Ele acaba se marginalizando. Não tem um espaço bom para os povos indígenas, custa muito o nosso reconhecimento.

Imagem: Acervo pessoal Carlos Tukano

As epidemias tiveram historicamente um papel importante nas dinâmicas de extermínio e produção da mortalidade indígena. Como foi para você atravessar a atual pandemia de Covid-19?

Quanto ao aparecimento de pandemia, desde que o solo foi pisado por europeus ocidentais foi complicado, desde a gripe, coqueluche, sarampo, doenças venéreas. Até porque nós não tínhamos imunidade, então isso também foi uma das graves infestações de doenças que a gente desconhecia porque não temos imunidade e remédio para isso. Com isso se dizimou bastante os povos indígenas. Tiveram que trazer vacina, mas isso chegou muito tarde. Por exemplo, a pandemia dehoje, de Covid-19, é horrível. Em pleno século XXI está dizimando os povos indígenas nas suas regiões. E para mim foi difícil também, até perdi a minha filha pelas complicações da Covid-19, há pouco mais de 2 meses. É horrível! O que houve, por exemplo, no caso do Covid-19 foi a dificuldade de atender os povos indígenas que vivem em contexto urbano. Como a gente acabou de falar de Rani, nós tivemos que fazer através da nossa associação indígena Aldeia Maracanã, através dos nossos registros de quem participa dos nossos eventos, das nossas reuniões… Nós temos uma margem mais ou menos de quase 200 pessoas que participam dos nossos eventos. Através disso, nós tivemos que pedir ao Governo do Estado que fossem atendidos diferencialmente, não só nas aldeias. Nós, como representantes, tivemos que fazer isso, encaminhar esse documento baseado na representatividade, através da Fiocruz, da Secretaria de Saúde do município, para que fôssemos atendidos. Assim, alguns de nós fomos atendidos através dos postos de saúde, através das clínicas de saúde da família, acessamos a vacina, não somente nas aldeias, mas também em contexto urbano, provando através das nossas palavras. Precisamos muitas vezes de documentos burocráticos que exigem nesse país.

Imagem: Acervo pessoal Carlos Tukano

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