ESPECIAL: A Pandemia nas prisões

Falta atendimento, falta medicamento… não tem nada além de humilhação e filas quilométricas

Rosana Maria

Foto: Acervo pessoal Guilherme Fernandez

O tratamento com a família, onde ele estava, em Magé, era relativo, mas depois que ele veio para Bangu, no Benjamim de Moraes, o trata­mento lá é horrível. O preso passa o maior sufoco, não tem água direito, excesso de presos. Uma demora nos exames criminológicos, como no caso do meu filho.

Meu filho não está mais no Benjamim, agora ele está no Edgar Costa, em Niterói, mas, desde o tempo que o juiz pediu o exame criminológi­co, que foi mais ou menos em julho ou agosto, até hoje não apareceu. Ontem, ao puxar o processo dele, apareceu que a juíza está intimando a Secretaria de Administração Penitenciária (Seap) sobre os exames cri­minológicos para visitas ao lar. Quanto ao sistema penitenciário, então, é péssimo. Assistência familiar é péssima. Assistência ao preso é horrí­vel. Parte da Degase também é péssima para os adolescentes. Não tem nada que possibilita a ressocialialização dos adolescentes, nem adultos.

São 7 anos que estou nessa estrada, mas meu filho já tem mais de 20 anos de sistema e cada ano que passa está piorando o sistema peni­tenciáio em tudo. Daí a pessoa fica revoltada pelo jeito que está sendo tratada lá. Muita doença, principalmente no Galpão que tem perto do Jardim Zoológico. Ali tem muitas pessoas com tuberculose, escabiose, falta de limpeza, umidade, etc, porque meu filho já passou lá e teve tudo isso lá dentro. Tratamento médico nenhum. Assistência social também nenhuma. Nem preso, nem família tem tratamentos adequa­dos, é negativo em tudo. A Seap está a pior coisa que tem na face da ter­ra. Agora vamos para o Serviço de Operações Especiais (SOE), que faz o transporte dos presos: o funcionário do SOE não sabe tratar o preso pra colocar dentro do carro. Não tem ressocialização nenhuma. Esse é meu relatório como mãe, revoltada com tudo, com tudo que está passando em Bangu, porque eu estou sabendo. Falta de água, almoço se dá quan­do é quase de noite. Não tem nada decente para um ser humano que está lá dentro pagando seu castigo pelas coisas que fez. Meu filho teve um acidente vascular cerebral (AVC) dentro do sistema penitenciário e se eu não corresse atrás no passado, ele estaria deformado. Não teve assistência médica, quem deu tudo fui eu.

Quanto às filas, onde ele está, no Edgar Costa, a coisa está relativa­mente tranquila. Mas no Benjamim, em Bangu, está um sofrimento, é um Deus nos acuda. Em Japeri eu não sei como está agora, porque eu não estou tendo muito contato com o pessoal de lá. Em Magé eu sei que estava péssimo, pois houve muita reclamação.

E quanto à Covid-19, está desse jeito porque não tem medica­mento, não tem atendimento, não tem nada! Tem preso que mor­re e a família fica sabendo dias depois, às vezes nem fica saben­do e só descobre quando enterram como indigente.

São coisas absurdas dentro daquele Bangu. Quanto à Covid-19, princi­palmente em Bangu, não tem nada, além das humilhações e filas qui­lométricas. Tinha até preso escarrando sangue e a família não sabia que atitude tomar lá. Eles não estão separando ninguém, a coisa con­tinua uma bagunça! Se eles não nem um psiquiatra ou um assistente social pra liberar o preso pra ir pra casa quando ganha uma liberdade, vocês acham que eles vão separar quem está com Covid-19, pneumo­nia, quem está com isso, com aquilo? O Galpão é o pior presídio que tem! Isso eu sei porque tem uma vizinha minha que visita o filho lá, no Galpão. É horrível lá. Péssimo!

Fábrica de Fazer Loucos

Vanja Santos Oliveira

Tenho 51 anos e sou ex-detenta há pouco mais de 1 ano. Tive a vida marcada no presídio desde 1996, onde fui evadida em março de 2009 e recapturada em abril de 2019. Tenho filha e filho presos, respectivamente, e uma neta de 6 anos que mora comigo na Ocupação Denise Presente, no centro do Rio de Janeiro.

Como ex-detenta posso dizer que o cárcere é um lugar onde não há condições de ressocialização. Depois que você sai, você precisa ir pra casa, você precisa se alimentar e lá dentro é muito complicado de conseguir oportunidades para mudar de vida, porque a pessoa já é colocada em uma situação de permanecer no crime e sem socializar com a sociedade. Já passei por Bangu 7 e Bangu 8 e aqui fora passei por momentos em que já quase perdi a guarda da minha neta. Atualmente, trabalho no Conselho de Educação e reconheço que a vida está bem melhor. Antes, no local em que eu morava com minha neta, na Providência, convivia constantemente com o tráfico e o perigo da violência, por conta da proximidade com o ponto de venda de drogas.

A situação nos presídios está péssima. Há pessoas presas que estão há quase um ano sem visita e eu também não consigo falar com os meus filhos; saber a atual situação e como está a vida deles, é muito complicado e tenso. Atualmente, não posso ver meus filhos por conta de uma burocracia de documentos, a Secretaria de Administração Penitenciária (Seap) não me forneceu ainda, por conta da pandemia, minha carteirinha de visitante… Fui informada que os presos não têm médico, não têm assistência, não têm nada.

As celas são lotadas e mal ventiladas e os presos estão com pouco acesso à água e com quase nenhum item de higiene, apenas o que recebem de doações ou dos familiares que estão conseguindo visitar. Com a falta de inspeção e fiscalização dos órgãos públicos, por causa da pandemia da Covid-19, os presos ficam ainda mais esquecidos e vulneráveis aos abusos de quem trabalha nos presídios.

Tem muita família, tem muita mãe, tem muita vó, com filhos, filhas, netos e netas sem atendimento e sem garantia de segurança de saúde. O estado deveria fazer exames para os presos. Quem vai me garantir que meu filho de 19 anos não tá com Covid dentro do sistema penitenciário? Deveríamos ter o direito garantido de saber que os filhos estão seguros, pelo menos.

Cadeia é fábrica de fazer louco, não é ressocialização. Ali é fábrica de fazer criminoso, porque se depender do sistema ali não ressocializa ninguém.

Para mim, essas condições de vida de uma pessoa presa e o tratamento dado é desumano e com pouca preocupação com a vida e segurança com relação ao Covid-19 que pode se alastrar dentro das penitenciárias. A falta de informação dos familiares sobre a situação dos detentos, a superlotação e a escassez de equipamentos de proteção individual para os agentes penitenciários e os presos, além da falta de comida e água potável, são as principais reclamações de quem convive com a realidade do sistema carcerário no Rio de Janeiro. Sem previsão de soluções e melhorias, o sistema continua a nos enlouquecer.

“A gente precisa que mais terreiros estejam lá”

Mãe Flávia Pinto Dirigente da Casa do Perdão

Acredito que é de fundamental importância o trabalho afro-religioso no sistema prisional. De acordo com o Departamento Nacional de Administração Penitenciária, a Casa do Perdão é o único terreiro em todo o território nacional a oferecer assistência religiosa nos presídios. Eu não tenho orgulho disso, porque eu queria que muito mais terreiros fizessem isso também. Estou há 16 anos dentro do sistema, fazendo trabalho de forma voluntária, com duas tuberculoses adquiridas a partir desse trabalho de contato com a população carcerária. O que a gente percebeu na pandemia foi que se a gente não estivesse levando material de higiene (de acordo com o que a gente ouviu da própria direção) eles não sabem como estariam se virando por lá. Porque os detentos ficaram abandonados no período da pandemia e as pessoas esqueceram que se a doença se alastrasse na cadeia, ela poderia estourar aqui fora, porque as pessoas não estão totalmente isoladas dentro da cadeia. Entra um agente e sai do plantão, entra alguém que vai pegar o lixo, entra alguém para levar comida ou seja: há contato das pessoas da sociedade com as pessoas na cadeia. E parece que ninguém se preocupou com a prevenção.

A gente não pode levar comida para cadeia, mas a gente pode levar material de higiene e foi o que a gente fez durante a pandemia intei­ra. Levamos material de higiene como água sanitária, sabão em pe­dra, detergente, luva, máscara, gel, sabonete, shampoo, pasta de dente, absorvente. Então eu acho importante ter levado isso tudo e a gente precisa que mais terreiros estejam lá.

No nosso caso específico com mulheres, atendendo duas unidades femininas (Santo Expedito e Talavera Bruce); faz bastante diferen­ça essa liderança femi­nina, porque as mulhe­res ficam mais à vontade, se sentem mais seguras para falar com a gen­te, tanto que, a partir da minha experiência de 13 anos trabalhando só com mulheres, o que eu pos­so afirmar é que 90% das mulheres que atendemos e que estão presas, antes de serem detidas, de se­rem criminalizadas, elas foram vítimas de algum tipo de violência.

A partir da minha posição matriarcal dentro de um terreiro que é um quilombo urbano, dentro de uma área periférica, o que constatei com meus olhos é que a pandemia trouxe a fome e a desigualdade que já eram existentes na sociedade brasileira e no planeta ainda mais para aqueles mais pobres e mais pretos. Então as pessoas ficaram com menos acesso a trabalho e levando-se em consideração que muitas pessoas pobres vivem distantes dos locais com maiores oportunidades de trabalho e sem mobilidade urbana, então não tem transporte não tem como fazer bico; e a fome foi aumentada e junto com a fome vem a violência. E a violência afeta principalmente as crianças vulneráveis. Então percebo que as ações sociais desenvolvidas por todas as instituições religiosas foram fundamentais nos territórios periféricos.

Só a casa do Perdão distribuiu 1.400 cestas básicas e de higiene, através de uma parceria com a Unicef, a Ong Crioula, e As Josefinas. E vieram outras instituições parceiras que possibilitaram o atendimento não só das detentas, também atendemos mais 30 outras instituições como igreja católica, centro kardecista; atendemos também abrigo de mulheres, asilo e duas unidades penitenciárias; e retomamos o reforço escolar para a gente atender o mínimo de crianças pensando nas consequências de elas estarem sem estudos durante esse ano. Pois percebemos que algumas crianças que estavam sendo alfabetizadas desaprenderam a ler e escrever, então oferecemos reforço auxiliar para, futuramente, elas retomarem ao sistema escolar.

Destacamos que é necessário todo esse movimento devido à ausência de políticas públicas do Estado, e que na Casa do perdão, as pessoas encontram um espaço de respeito, um espaço de possibilidade da sua humanidade. Independente da sua sexualidade e classe social, a gente tem um acolhimento muito forte. As religiões de matriz africana têm um papel acolhedor muito forte para esses grupos perseguidos em vulnerabilidade.

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