Juntas somos mais fortes, Zona Oeste.

Day Medeiros, Ativista sociocultural da Zona Oeste/RJ
Imagem: Acervo pessoal Day Medeiros

Mês de março é marcado por várias agendas importantes para reafirmar os direitos que garantem a vida das mulheres. Para falar disso fiz um resgate da minha trajetória como mulher nesse mundo, foi um processo muito difícil pois surgiram listas com gatilhos de experiências e vivências machistas e misóginas que me atravessaram. Refleti que minha trajetória de luta começa muito antes do meu nascimento no final dos anos 80. Antes de ser mãe da Marina, professora de arte, ativista nascida e criada na Zona Oeste, eu sou neta de Henoemis Medeiros e Ilma Ferreira, costureiras e da roça que chegaram na Zona Oeste por volta dos anos 60, sou fi lha de Enoemis, costureira que foi negada o direito de estudar mas não desistiu do sonho, se formou professora depois dos 40 anos e hoje é uma importante liderança comunitária em Santa Cruz, sou sobrinha de mulheres que cresci vendo atravessar a cidade para servir e cuidar dos outros para voltar para casa com o sustento da típica família tradicional brasileira,a que em sua maioria dependem das mulheres para a garantia da moradia e da alimentação dos seus. Comecei com esse minicurrículo familiar, porque percebi que me reconhecer hoje como uma ativista nesse território, tem muita relação com os exemplos e com o inconformismo, que herdei de minha mãe, pelos direitos básicos à vida negados a mim e as mulheres que me fazem com suas histórias de dores e conquistas.

Quando falamos de mulheres na zona oeste estamos falando de várias gerações que mesmo que não se reconheçam no movimento social e político do mês das mulheres, lidam e enfrentam modelos sociais patriarcais e coronealistas que oprimem, violam e negam direitos básicos de vida diariamente para uma população que representa quase metade do território da cidade do Rio de Janeiro, no recorte da “Zona Oeste Férrea”. Como mãe solo, de uma menina também nascida na Zona Oeste, agradeço por ter a oportunidade de ter uma rede de apoio tão forte, nas incalculáveis demandas do maternar. A minha maternidade e a primeira infância de Marina foi marcada pela luta para cursar o ensino superior, que segundo o Índice de Progresso Social do IPP em 2018 apresentado na agenda Rio 2030 da Casa Fluminense, apenas 5% dos moradores da região administrativa de Santa Cruz acessam a tão valorizada academia. Com 20 anos de idade, descobri a gravidez com quase quatro meses de gestação, semanas depois de receber dois resultados positivos do vestibular, foi desesperador, descobri que estava grávida quando ainda estava extasiada pela felicidade de realizar o sonho da universidade pública federal. Sabia que não seria fácil para uma mãe, eu que já era trabalhadora, entendia a importância da graduação para aumentar a minha renda. E foi exercendo o direito de ocupar esse espaço , que de fato comecei a entender meu lugar social e econômico como mulher periférica e mãe solo, o machismo estrutural ficou ainda mais escancarado.

Imagem: Acervo pessoal Day Medeiros

Parir um ser humano nascido em um corpo feminino, é ter que aprender a desconstruir o machismo entranhado em várias atitudes minhas como mãe e também sempre estar em alerta para todas as violências vividas por mim e ouvidas de outras mulheres que conseguiram ser ouvidas a tempo, que sobrevivem às tentativas de silenciamento, simplesmente por serem mulheres. Na “Zona Oeste Férrea”, não muito diferente das periferias do Brasil, o conservadorismo cristão, o militarismo, a agricultura, a industrialização ,a pesca, a política partidária, o poder paralelo, são culturas de soberania masculina, que somadas a ausência do Estado expõe ainda mais as mulheres á uma realidade de violação de direitos sobre nossas vidas e nossos corpos periféricos. A centralização e a distância dos diferentes campus da universidade, dos instrumentos culturais e dos espaços de debates políticos e sociais, me fizeram começar a questionar acesso a mobilidade urbana digna, por vezes chorei com a distância, passava pelo menos 6 horas do dia me locomovendo entre casa, UFRJ e trabalho, na vam , no BRT, no trem ou no busão, cumprindo múltiplas jornadas da rotina da mulher pobre e periférica que precisa cruzar a cidade, em um transporte público sucateado, lotado.

Estudar, trabalhar , amamentar, manter Marina viva e segura, só foi possível com muito apoio das mulheres da minha família e das amigas e amigos que muitas vezes me deram suporte financeiro e emocional. Me formar na universidade pública para alguns homens da minha família enraizada de machismos, era estar sendo doutrinada pela “balbúrdia da esquerda brasileira”, por diversas vezes refutaram minhas opiniões contra o machismo, o feminicídio, o racismo, a homofobia, meu trabalho como ativista e educadora social. Já para as mulheres que me criaram, pegar o diploma era uma possibilidade de ascensão, exemplo e continuação do legado de luta para as minhas mais novas. A academia me alimentou com embasamento teórico para reforçar minha militância, mas meu ativismo se dá quando eu volto para o chão da Zona Oeste, graduada, carregando minha cria, disposta a romper as estruturas, mobilizada com outras mulheres, ativistas e lideranças do território, fazendo cultura, arte e incidência política pela minha cria, pelos meus e por todas nós. Se hoje estou viva para escrever esse texto foi porque mulheres interviram no meu caminhar, meteram a colher, me acolheram, me cuidaram, me fortaleceram e me encorajaram. Sem dúvidas, JUNTAS SOMOS MAIS FORTES!

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