Lata Doida e Pandemia do Covid-19

Vanielle Bethania Lata Doida
Imagem: Acervo Lata Doida

O Lata Doida atua enquanto organização desde 2008 através de oficinas, shows, gravações, ensaios, reuniões e eventos. Sempre com muito suor, presença física, olho no olho, aperto de mão, abraços. Tudo de maneira muito orgânica. Entre o fim de 2019 e começo de 2020, o Lata estava trabalhando intensamente, fechou 2019 com uma série de shows, em um evento da Boticário, e iniciou 2020 com muitos planos. Até que chegou o dia em que havia um show agendado para um evento que ocorreria em um parque arqueológico e ambiental e surpreendentemente o evento foi suspenso por conta do tal CORONAVÍRUS, até então distante para nós. As notícias sobre o assunto já circulavam desde janeiro, porém era difícil prever que o mundo viveria essa realidade.

Desde então, todos os eventos foram suspensos. Era a pandemia se instalando. No começo o Lata Doida ficou parado, acreditando que tal fase passaria rápido, porém, o tempo passava e não havia perspectiva de volta à normalidade. A organização percebeu que precisaria reinventar sua maneira de atuar.

A primeira ação do Lata Doida na pandemia foi a distribuição de cestas básicas, que aconteceu a partir de um convite da Casa Fluminense para participarmos da rede “Rio contra o corona”. A distribuição das cestas (e outros insumos) acabou proporcionando a criação de uma rede local com moradores e outras organizações e coletivos, que somou forças, estreitou os laços e proporcionou também uma ampliação do alcance das ações, atingindo, principalmente, mulheres em situação de vulnerabilidade.

Depois da distribuição de cestas, o Lata Doida produziu uma série de videoclipes. Para estes, foram realizadas composições, criações de roteiros e reuniões online; foi uma ótima oportunidade de retomar as criações e produções. A tecnologia e a internet foram muito importantes nesse momento. No último clipe produzido, a música abordou a pandemia e neste, todos os integrantes participaram, diferente dos anteriores, onde alguns não se adaptaram bem à falta de calor nas interações por meio dos celulares. Foi realmente um momento de encarar tal situação de frente, entendendo que esta era nossa condição.

Realizamos alguns encontros presenciais, tomando todas as medidas de segurança e distanciamento, criamos uma logística especial para gravação e assim todos participaram. Dessa forma nasceu o último clipe do Lata Doida, “Da máscara que ninguém vê”, que expressou um pouco de como os integrantes da organização estavam sentindo e vivendo a pandemia.

Um projeto da nossa organização que cresceu muito durante a pandemia foi “As Mulheres do Fim do Mundo”, uma frente de trabalho recente da organização, voltada para mulher periférica. Iniciado em 2018, reuniu mulheres periféricas, realizou alguns encontros e eventos com mostras de trabalhos destas. Com a pandemia e necessidade de isolamento, voltou suas atividades para as redes sociais, intensificando muito a relação com estas e alcançando mais mulheres, de diferentes periferias.

Foram realizadas lives periódicas, onde foram discutidos diversos assuntos relevantes para as mulheres periféricas, sobretudo no contexto pandêmico. Essas lives repercutiram muito bem, os objetivos deste trabalho foram amadurecidos através das pesquisas realizadas para os encontros online e das trocas com as convidadas. Cada live tinha uma convidada diferente, algumas faziam parte de outras redes de mulheres – fato que levou ao aumento de nossa rede e do alcance de nossas ideias.

Imagem: Acervo Lata Doida

Por fim, a última ação que impactou bastante o trabalho da organização durante esse período foi a realização de uma campanha de financiamento coletivo (Crowdfunding), com a finalidade de arrecadar verba para dar continuidade a ocupação de um espaço público que se se situa ao lado da antiga fábrica de cartuchos, do bairro de Realengo. O espaço recebeu o nome de Parquinho Verde, pois o mesmo se alia à luta do movimento Parque de Realengo Verde pela transformação da fábrica em um parque urbano predominantemente verde.

Essa campanha, intitulada “Salve o Parquinho”, exigiu grande empenho da organização, que não atuou sozinha. Tal projeto reuniu diversos coletivos e organizações, como a Casa Fluminense, Circo Voador, Espaço Cultural Viaduto de Realengo, Sarau do Calango, Permacultura Lab, Zona Oeste Ativa, Vivências e Danças Populares, Cia Atos e Atores, Festival de Música e Cultura de Rua de Bangu, Zona de Cinema, dentre outros.

A campanha obteve êxito, arrecadando o valor necessário para a continuidade da ocupação, e agora caminhamos para realização do festival em agradecimento aos colaboradores e em comemoração ao sucesso da campanha. Tal experiência nos mostrou a força da articulação em rede, da ação coletiva, e que é possível estar junto, apesar da distância física. Todos os encontros para definição da campanha foram online e, ainda assim, foi um processo com participações muito intensas.

Hoje, a melhoria do Parquinho Verde é um fruto gerado durante a pandemia, um fruto com impacto positivo para o bairro de Realengo, para a Zona Oeste e para a cidade do Rio de Janeiro.

Imagem: Acervo Lata Doida

Enfim, esse é um panorama das principais ações do Lata Doida durante a pandemia e de como tais ações impactaram a organização e, consequentemente, como o Lata Doida pôde impactar outras pessoas e a comunidade onde está inserido.

Esse período foi muito triste para a humanidade e para as periferias foi ainda mais difícil. Nas periferias cariocas e, em especial, na Zona Oeste da cidade do Rio de Janeiro, onde está localizada a sede do Lata Doida, o número de mortes por Covid-19 foi um dos mais expressivos da cidade. O Lata Doida viveu e está vivendo essa realidade com grande pesar; tentando contribuir, das formas que estão ao seu alcance, com a minimização do impacto de tal tragédia e, além disso, atuando em prol da criação de alternativas, para que ao fim desse período pandêmico, tenhamos, enquanto periferia, novos horizontes traçados.

Imagem: Acervo Lata Doida

Da máscara que ninguém vê

Vandré Nascimento

Olhos trancados na tranca da sala
por onde a gente pode ver
olhos que sobram
boca tampada
nada que se possa dizer
olhos que sobram
boca tampada
silenciado e sem saber
quando é que isso acaba
se é que isso acaba
quando é que a gente vai poder
morrer só de fome, de tiro, de bala
agora eu quero saber
da máscara que ninguém vê
da máscara que ninguém vê

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