O eixo Santa Cruz, Sepetiba e Paciência, carrega o estigma de “extrema Zona Oeste”, onde extrema mesma é a vulnerabilidade da população. Nas periferias, diante da ausência de políticas públicas capazes de promover desenvolvimento social, emergem diversos trabalhos de base comunitária que têm em comum a resistência coletiva, o combate às desigualdades sociais e o questionamento político. Existem diferenças nítidas entre as periferias cariocas. A Zona Oeste representa 48,4 % do território do Rio de Janeiro. A distância do Centro da cidade afasta os acessos a investimentos sociais públicos e privados, monopolizados em áreas de visibilidade e nos aproxima dos interesses eleitorais, proporcionais ao tamanho desse território e da população. A especulação imobiliária e os vários projetos habitacionais movimentaram o mercado na Zona Oeste, mas sem a construção de equipamentos urbanos que possibilitem uma boa qualidade de vida nessas áreas.
Em ano eleitoral, em meio a uma crise mundial de saúde, analisar a alta taxa de letalidade por Covid-19 no eixo Santa Cruz, as subnotificações de casos, o negacionismo de governos e da população, a falta de condições de manter o isolamento social e a omissão do poder público e privado, ajuda a entender melhor as políticas de morte, sustentada por uma estrutura racista, que carrega na história de desenvolvimento da extrema Zona Oeste a relação direta com a formação de um curral eleitoral. Silenciar uma região tão populosa faz parte da velha política, onde a falta de acesso a instrumentos de educação, cultura, saúde e transporte faz com que o debate político-social não chegue às favelas e comunidades com baixos índices de desenvolvimento, favorecendo assim um padrão de atuação de políticos que não exercem trabalhos efetivos à população e desfavorecendo os movimentos sociais e instituições do terceiro setor, que ocuparam a linha de frente no combate e enfrentamento das consequências da pandemia nos territórios mais vulneráveis e inacessíveis da cidade.
Em tempos de isolamento, onde a distância e a mobilidade são abstraídas virtualmente, se ampliou a construção de redes que fortalecem as narrativas das demandas periféricas. É preciso inserir a extrema Zona Oeste em espaços de trocas e debates sobre as periferias cariocas, evidenciando a importância da população da região para a mudança da conjuntura política geral do estado e dando visibilidade ao trabalho de luta e de potência cultural produzida na maior área periférica do município do Rio. Como o exemplo de mobilização da Favela do Aço/ Vila Paciência, a primeira favela do eixo, construída no final da década de 60, para acolher inicialmente 61 famílias removidas de diferentes pontos centrais, e moradores em situação de rua. Desde então, muita coisa não mudou na Favela do Aço. Atualmente com uma população de 10.000 habitantes, a falta de saneamento básico ainda é um problema, onde encontramos esgoto a céu aberto, inexistência de caixas d’água e cisternas nas casas, coleta de lixo regular e ausência de médicos na única Clínica da Família da localidade.
Foto: Arquivo Mobilização Pela Favela do Aço
A mobilização contou com a força de três projetos que atuam na área sociocultural e que, é importante ressaltar, são lideradas por mulheres: a Missão Arte Educação, realizada pelo CASA; o Levante Aço; e o Projeto Esperança Para Uma Criança, realizado pela Primeira Igreja Batista de Vila Paciência, que foi o local para a arrecadação das cestas básicas e kits de higiene, distribuídos de casa em casa. Além da luta para angariar fundos pelas redes sociais e editais de apoio, a mobilização enfrentou também o negacionismo dos moradores, que em sua maioria dizia que a Covid-19 era “doença de rico”.
É sabido que a mortalidade por doenças e violência, acomete seletivamente a população, e é mais expressiva junto aos que residem em favelas e periferias, onde a falta de estrutura das casas impossibilitam os moradores se manterem em isolamento, sem aglomerações. Principalmente se tratando da Zona Oeste, que abriga o maior número de trabalhadores formais e informais da cidade do Rio de Janeiro, e que foi fortemente influenciada pelos discursos políticos que negam a pandemia, como por exemplo o que diz que a doença “é só uma gripezinha”.
Foto: Arquivo Mobilização Pela Favela do Aço
No período de março a agosto, a mobilização atendeu 300 famílias das 600 que foram cadastradas, onde 150 tiveram assistência continuada durante esses meses. Com recursos limitados, as prioridades foram escolhidas por critérios como: a participação nos projetos, mães solo, idosos sem aposentadoria e pessoas sem documentação, impossibilitadas de receber o auxílio emergencial. Foram distribuídas aproximadamente 1.200 cestas básicas e produtos de higiene e alcançadas em torno de 1.800 pessoas. Para as entregas, foi necessária e muito bem recebida a ajuda de alguns moradores do Aço e da União Coletiva Pela Zona Oeste, que se desdobravam para atender mais de 10 comunidades do eixo Santa Cruz, Sepetiba e Paciência.
A decisão de encerrar a arrecadação foi tomada para evitar uma disputa no território com pré-candidatos que, ao começarem suas campanhas eleitorais, ocuparam os becos e vielas para pedir voto em troca de uma praça e o famoso asfalto para tapar buracos. A fim de preservar a segurança das pessoas na linha de frente e evitar qualquer tipo de confusão com a imagem dos coletivos optou-se pela suspensão das distribuições e arrecadações. Estudando novas maneiras de dar continuidade as atividades, os projetos continuam acompanhando de perto a situação das famílias e buscando apoio para aquelas que sinalizam situações de maior vulnerabilidade e emergência.
O movimento de redes gerado por essa mobilização repercutiu em uma visibilidade para a favela do Aço, dentro e fora da Zona Oeste, jamais observada anteriormente. A pandemia provou a importância dos movimentos sociais e das ações coletivas para combater as desigualdades impostas ao povo periférico, que ficaram ainda mais em evidência nesse período.
Para ampliar essa rede e conhecer melhor o trabalho dos projetos envolvidos nessa mobilização, é só seguir os perfis: @plataformacasa, @pepucdevilapaciencia, @acolevante e @uczonaoeste nas mídias sociais.