O novo normal sem agente comunitário de saúde será pior que o velho

Deley de Acari Poeta, animador cultural e militante de direitos humanos
Foto: Reprodução Viva Rio

Quando começou o projeto dos agentes comunitários de saúde no nosso município, no complexo de Acari havia duas equipes de saúde para atender três comunidades: Parque Acari, Vila rica e Vila Esperança de Irajá. Ao todo, eram aproximadamente 130 agentes recrutados entre jovens e não tão jovens das comunidades. A grande maioria nascida na comunidade. Gente que cresceu sofrendo na própria pele as mazelas do racismo institucional na área de saúde pública e viu no projeto uma oportunidade de reduzir seus danos.

 No dia a dia da favela levantavam demandas de saúde que já sabiam existir de forma empírica. Arriscavam suas vidas em meio a tiroteios, lamas contaminadas deixadas por enchentes e o risco mesmo de contrair uma hepatite ou tuberculose durante uma visita domiciliar. Voltavam para base, preenchiam relatórios preocupados com a situação de saúde de sua comunidade, mas ao mesmo tempo satisfeitos e esperançosos de que as autoridades dessem solução aos problemas identificados. Aos poucos foram se decepcionando com o descaso.

Muitos pediram demissão logo de início, outros se foram depois, diante dos constantes atrasos de pagamento e incerteza na continuidade do projeto e no depauperamento do SUS. Hoje o que vemos é menos de um terço do número de agentes comunitários de saúde do início do projeto burocraticamente atrás de guichês dentro das clínicas da família atendendo moradores das microrregiões que antes atendiam em casa. É certo que a pandemia veio rápida e imprevisível, mas se os agentes comunitários estivessem nas ruas e não no aquário, talvez a Covid-19 não fosse subnotificada nas favelas e sintomas parecidos não seriam confundidos.

Detectadas as formas de contágio, os agentes comunitários – assim como as equipes de saúde – poderiam estar nas ruas da comunidade com os devidos equipamentos de proteção.

Se jovens líderes comunitários distribuem cestas básicas vestidos de astronautas, por que não os agentes comunitários de saúde? O novo normal virá com tantos quantos milhões de infectados curados sobreviverem à pandemia? Curados da Covid-19 mas doentes das sequelas que ficarão de forma permanente e que a vacina não vai curar. Quantos novos centenas de milhares de cardiopatas, doentes renais, psicossomáticos a pandemia deixará e que não poderão sair de casa e precisarão de visitas?

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