O Samba para além dos desfiles de carnaval

Carolina Fernandes é indígena urbana, historiadora, fotógrafa e artista independente. Nascida e criada em Bento Ribeiro, zona norte do Rio de Janeiro, seu trabalho tem como foco as narrativas suburbanas para além do óbvio: registra as mais diversas manifestações cotidianas e de resistência nesses locais, buscando um olhar crítico, humano e artístico sobre identidade e pertencimentos no dia a dia.

O presente ensaio é o primeiro de uma série que buscará tratar o LAZER como categoria da Saúde humana. O recorte espacial é o subúrbio carioca, com foco na Zona Norte da cidade do Rio de Janeiro.

Os registros abaixo foram produzidos no eixo Madureira – Oswaldo Cruz e adjacências, nas quadras das escolas de samba Império Serrano e Portela. O objetivo é narrar como esses espaços físicos funcionam como local não apenas de criação artística e cultural, mas também de desenvolvimento social, de formação de identidade e pertencimento. O samba, para além dos desfiles de carnaval, constitui uma rede de apoio social, artístico e de lazer. São diversos projetos sociais, oficinas e aulas ofertadas por essas escolas para suas comunidades.

Nesse contexto, preciso ressaltar que, por ser nascida e criada em Bento Ribeiro, seria impossível não ter sido impactada em algum momento pelos sambas e pela devoção das comunidades da Portela e do Império Serrano.  Cresci ouvindo os sambas icônicos de ambas as agremiações, seus títulos e suas histórias. Ouvia, também, meus avós contarem quando iam às quadras com meus bisavôs, quando meu tio-avô desfilava… Ser cria desse eixo citado acima é ter um carinho especial por essas escolas e se sentir pertencente de alguma maneira, já que muitas famílias possuem memórias afetivas relacionadas a elas, como é o caso da minha.

A grande motivação para esses ensaios foi pensar no tamanho e impacto que essas escolas têm, não apenas na vida cotidiana do suburbano, mas na vida cultural no país. Portela, a maior campeão do carnaval do Rio, completou este ano seu centenário e é conhecida por todo o Brasil como Majestade do Samba. Império Serrano é a 4a maior campeã do carnaval carioca, tem enorme destaque pro samba nacional e, assim como sua escola-irmã, entoou na avenida muitas letras de crítica social e problemáticas raciais.

As fotos expostas aqui foram produzidas em dois momentos:
O primeiro, na quadra da Portela, em abril de 2023 durante a terceira edição da FLIPORTELA, a Feira Literária da Portela. O evento contou com a apresentação de diversos ritmos musicais, dança, rodas de conversa e debate, lançamento e venda de livros e rodas de samba. Estiveram presentes também escolas municipais da área, escritores e grupos internos, como é o caso do Filhos da Águia, os passistas da própria escola.

O segundo ensaio, na quadra da Império Serrano, foi registrado em maio de 2023 durante a homenagem realizada pela escola em comemoração aos 82 anos de Beto Sem Braço, nome artístico do compositor Laudenir Casemiro. A roda de samba recebeu muitos compositores, cantores e representantes de outras escolas do Rio, além da comunidade. Beto Sem Braço foi diretor de bateria da Império Serrano durante anos e compôs um dos sambas mais icônicos da história não apenas da escola, como dos desfiles cariocas, o campeão de 1982, “Bumbum Paticumbum Prugurundum”, junto com Aluísio Machado.  Além disso, sua obra está presente na vida dos brasileiros com sambas memoráveis, como “Camarão que Dorme, a Onda Leva” e “Brincadeira Tem Hora”, em parceria de Zeca Pagodinho e Arlindo Cruz. O evento inaugurou o busto do compositor (já falecido) e celebrou, junto a familiares, amigos, convidados e integrantes da escola (como a Ala dos Cabelos Brancos), a vida e a arte do sambista.

Esta gostando do conteúdo? Compartilhe

Veja Também