Pandemia e pessoas em situação de rua

Léa Ramasine (Diretoria Social); Janaína Soares (Diretoriade Projetos); Alexandre Martins e Joane Vaine (Coordenação do Projeto Recomeçar); Adélia Rosa (Assistente Social). Voluntários Grupo de Estudos Integrais Demétrius e do Instituto Socioeducacional Reaprender
Imagem: Acervo Projeto Recomeçar

O GEID, Grupo de Estudos Integrais Demétrius, é uma instituição filantrópica, sem fins lucrativos. Há mais de 30 anos, o GEID atua no território da Ilha Governador atendendo demandas de questão social, contando sempre com voluntários para essas ações. A experiência do trabalho comunitário levou a identificação de inúmeras necessidades, dentre elas o apoio às pessoas em situação de vulnerabilidade social, dentre essas a população em situação de rua.

Com a ampliação dos objetivos, especialmente relacionado à ações educacionais, mas também culturais e assistenciais, a partir de 2017 demandou-se uma nova institucionalidade, sem fins religiosos, com vistas a uma atuação regionalizada para o desenvolvimento, implantação, acompanhamento e avaliação de programas, projetos, atividades e eventos socioeducacionais. Assim, surge o Instituto Socioeducacional Reaprender (ISR), que desde o ano passado passou a ser responsável por fazer a gestão dos projetos sociais do GEID.

O atendimento à população em situação de rua começou na década de 90 com um movimento que era chamado “Ronda da Caridade”. Fazíamos uma rota na Ilha do Governador para entregar quentinhas uma vez por mês. Ao longo dos anos adaptou-se às demandas identificadas e atualmente denomina-se “Projeto Recomeçar”. Com o tempo montou- se uma equipe com profissionais de psicologia, direito, assistência social, para auxiliar essas pessoas a acessarem direitos e equipamentos públicos, como o Benefício de Prestação Continuada (BPC), a Estratégia de Saúde da Família (ESF), inseri-los no Sistema Nacional de Regulação (SISREG) para que possam ter um atendimento mais rápido. E aqueles que em algum momento conseguem um trabalho informal e alugar um quartinho, eles sempre precisam de um fogão, botijão de gás, e aí, a nossa equipe busca viabilizar esses objetos e utensílios para que eles possam ter o mínimo de condições de fazer o alimento.

Imagem: Acervo Projeto Recomeçar

Nesse período de pandemia é visível que tem muito mais gente na rua. Pelo tempo de trabalho que nós temos, nós conhecemos muita gente e através da nossa circulação pela Ilha do Governador nós identificamos muitas pessoas novas que até então não víamos na rua. É possível perceber pelo olhar que a pessoa não está há muito tempo na rua, é o jeito de agir, a forma que anda. Dá pra identificar que é diferente.

Uma coisa que nós tentamos fazer é unir as famílias, porque eles ficam à margem da sociedade e a família meio que despreza essas pessoas que por algum motivo foram para a rua, seja por drogas, por álcool, ou por alguma situação. Então, a gente tenta integrar essas pessoas ao seu convívio social. Com a pandemia a gente observa que essa situação piorou demasiadamente. Antes você encontrava uma pessoa apenas que estava na rua, agora você começa a encontrar não só uma pessoa, mas a esposa, os filhos. A situação em que a gente se encontra agora está muito mais difícil.

Sobre a questão da vacinação das pessoas em situação de rua, ela vai esbarrar na questão da documentação. Porque muitos deles estão sem documentação; perderam, foram roubados, e isso vai ser um entrave. Alguns de nós trabalhamos na saúde e temos encontrado de dificuldades para que eles possam ser vacinados, porque muitos perdem os documentos, daí precisa tirar a segunda via e passa o prazo da vacinação. Então nós vamos com a pessoa até a unidade de saúde e ouvimos que: “tem que aguardar a repescagem”. Mas quando vai ser? “Não, tem que ficar em alerta!”. Só que eles não têm televisão, não têm rádio, não têm celular, para poder identificar a época da repescagem para que possam se vacinar. Então são coisas burocráticas que estão atrasando a vacinação.

O serviço de saúde não tem apenas um, dois ou três pacientes. Em um dia são atendidas vinte, trinta pessoas. Portanto, não é possível sair da unidade de saúde e ir até o local onde aquelas pessoas estão para dizer: “Olha, é hoje, é amanhã”. E com isso o tempo passa e eles ficam sem vacinação. E às vezes a repescagem é dia de sábado, nem todos profissionais trabalham dia de sábado. Então isso é uma bola de neve e sabe-se lá quando essas pessoas conseguirão ser vacinadas. Se não tiver uma equipe que possa ir até às ruas e tentar vacinar essas pessoas, infelizmente elas serão os menos favorecidos com a vacinação.

Imagem: Acervo Projeto Recomeçar

A questão da informação, que foi muito prejudicada para todo mundo, foi muito mais para eles. E tem essa ideia de só procurar o médico quando você está doente, então eles não tomam vacina: “Eu não tenho nada então eu não preciso ir ao médico”. Não tem essa ideia de prevenção. E claro, essas pessoas não são estimuladas a isso, tem a questão da dificuldade do acesso a direitos, tem toda uma questão social envolvida nisso. No começo, andando aqui pela Ilha do Governador, várias vezes quando nós encontrávamos o pessoal nós dizíamos: “Olha, vai ter que tomar a vacina. Tem que tomar a vacina”. Não tinha nem vacina ainda, e a gente dizia: “Olha vai ter que tomar vacina, usa máscara.” E eles diziam: “Ah, não! Não precisa de vacina não. Tomo uma cachaça e não pego o vírus”. Mas isso era o que todo mundo falava. A gente consegue fazer um filtro, mas o que foi massificado foi isso. Houve um intenso trabalho de desinformação por parte de governos. O que chegava à população era que podia ficar sem máscara, não precisa de vacina. Inclusive, muitas instituições religiosas fundamentalistas contribuíram para negar as medidas sanitárias e passar informações equivocadas. Imagina como chega a informação para pessoas que estão na rua.

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