A Fábrica de Cartuchos de Realengo foi construída no final do século XIX e desativada no final da década de 1970. E a partir daí começa um movimento chamado Movimento Pró Escola Técnica, que traz o Colégio Pedro II e um campus do Instituto Federal do Rio de Janeiro (IFRJ). E o Movimento Parque Realengo Verde é derivado disso. Depois que conseguem conquistar o Colégio Pedro II e o IFRJ, surge a luta por esse terreno.
Esse grupo atua de uma forma muito interessante. Ele nunca foi de mobilizar numericamente, quantitativamente, muita gente no bairro, mas sempre conseguiu realizar uma série de articulações e pressões. Recentemente, por exemplo, comemoramos a resolução de um processo que foi iniciado há 17 anos atrás, denunciando a permuta ilegal do terreno que era da União e foi repassado à Fundação Habitacional do Exército (FHE). O que nós reivindicamos é que 100% da área da antiga Fábrica de Cartuchos de Realengo se torne um parque urbano ecológico, que seja construído o parque verde.
Os moradores do bairro de Realengo, na Zona Oeste do Rio de Janeiro, já estão há décadas lutando para manter uma das últimas áreas verdes da região de pé. Agora, o tão sonhado Parque de Realengo, que poderia ocupar 142 mil metros quadrados, está ameaçado pela construção de um condomínio de prédios residenciais para militares. Esse projeto, que oferece apartamentos na planta para venda pela Fundação Habitacional do Exército (FHE), é ilegal e já derrubou centenas de árvores e desmatou boa parte do terreno, destruindo também as ruínas da fábrica.


Imagens: Vandré Nascimento
Em 2017, o então prefeito Marcelo Crivella encaminhou para a Câmara um projeto de lei que liberava a área para a construção imobiliária, sem menção alguma à preservação ambiental. Com mais de 7 mil assinaturas, o abaixo assinado de moradores de Realengo fez com que o projeto fosse arquivado. Em 2018, um projeto de lei para o tombamento da região destinada ao parque foi aprovado através do Movimento Parque de Realengo Verde. Mesmo com aprovação na ALERJ, o governador interino Cláudio Castro vetou a proposta. Junto ao Meu Rio, o movimento reuniu 10.523 assinaturas a favor da causa. Ainda assim, a ALERJ manteve o veto. Em 2021, depois de anos de processo, a Fundação Habitacional do Exército perdeu a cessão da área e precisa explicar os trâmites dessa negociação na justiça. Sendo assim, o terreno pode voltar a ser propriedade da União, sem vínculo com a POUPEX, porém isso ainda não aconteceu.
A grande ligação dessa luta pela construção do parque com a questão da pandemia nas periferias é que a própria pandemia é fruto de um problema ambiental, de um modelo de cidade. O grupo tem uma pegada bem ambiental; tem a compreensão de que nossa luta não é exclusivamente por esse parque, mas, por um outro modelo de cidade, de sociedade.
É um movimento que tem muitos atores e atrizes envolvidos e cada um por um interesse diverso. As disputas e o fazer político na periferia são muito atreladas ao assistencialismo, ao clientelismo, aos currais eleitorais; mas, apesar de ser chamado a partir da figura de um vereador, a luta do Movimento Parque Realengo Verde é mais robusta do que isso e envolve diversos atores e atrizes, organizações da sociedade civil que têm outras formas de pensar e fazer política. A atuação do movimento tem buscado incidir no executivo, no legislativo e no judiciário, em favor da utilização exclusiva do terreno para a construção do parque verde.


Imagens: Vandré Nascimento
A Fundação Habitacional do Exército, após a permuta do terreno com a União, alugou o terreno para a Zona Oeste Mais, empresa de saneamento, terceirizada da Cedae; e a empresa usa a área como área de manejo de resíduos. Há uma intensa circulação com entrada e saída de caminhões.
Não se tem conhecimento do impacto que isso pode estar gerando. Esforços estão sendo realizados no sentido de solicitar explicações da empresa Zona Oeste Mais.
Nós assumimos um protagonismo maior no movimento, em 2019, com a ocupação artístico-cultural Parquinho Verde. É um momento em que a luta pelo parque ganha maior adesão, mais visibilidade e conseguimos agregar mais artistas, moradores e pessoas interessadas em, para além do cuidado imediato com o espaço, discutir direito à cidade, ocupação do espaço público.
Temos também tentado imprimir uma pegada no movimento de ter uma comunicação simples, uma comunicação comunitária, porque é um assunto difícil; a coisa é muita burocrática e às vezes as pessoas entendem que querem o parque, mas não entendem que briga é essa e por que ele ainda não aconteceu.

Imagem: Vandre Nascimento
O que está escrito no plano de metas não é uma garantia; inclusive nem a promessa pública é uma garantia. A garantia é a nossa mobilização. E pra gente mobilizar é preciso juntar cada vez mais pessoas. E para juntar cada vez mais pessoas nós adotamos essa dinâmica de falar através da arte, através da música, através da marchinha de carnaval; através de cursos de políticas públicas; através de formas de comunicar que comunicam principalmente com quem é nosso público alvo: que é a galera do entorno, as crianças, quem se interessa pelas pautas de emergências climáticas, quem se interessa pelas pautas de preservação da áreas verdes na Zona Oeste. Por isso, inclusive, as pessoas que fecham com nosso movimento são muitas vezes de outros lugares, não necessariamente do eixo Bangu-Realengo, mas que têm nas suas regiões problemas parecidos para a preservação de áreas verdes. O que nós queremos é poder escolher o que será feito com nosso bairro, com nossa cidade, a nossa possibilidade de existência dentro do que é realmente importante pra gente.
Quando surgiu a oportunidade de se ter grupos financiadores e doadores com o contexto da pandemia, nós conseguimos nos tornar articuladores locais para a distribuição de cestas básicas. E isso foi muito importante para enfrentar o problema da fome que atingia moradores e moradoras vizinhos ao parque. Assim, a mobilização que vinha ocorrendo em torno do parque, se sintonizou com a luta pelo enfrentamento do dano que a pandemia causou.
A partir do momento em que passamos a usar o parquinho verde como um lugar para distribuição de cestas e acolhimento da população que está ali no entorno, nós passamos a entender com mais profundidade as necessidades que as pessoas que habitam aquela área externa ao parque têm. E, ao mesmo tempo, é uma oportunidade de mostrar como ter uma área pública e aberta, pensada pelos moradores, pelos coletivos, pelos artistas, pode ser saudável e importante para o desenvolvimento da região. Nós tivemos que pensar muito sobre como juntar as várias dimensões das lutas, que eram: política, socioambiental e cultural. E era também uma luta da Zona Oeste. Tivemos que enfrentar o desafio de pensar como explicar para as pessoas a importância de juntar meio ambiente, cultura, Zona Oeste e política.