Pandemia, Meio Ambiente e Espaço Público: A Luta Pelo Parque Realengo

Vandré Nascimento, Marcele Maria de Oliveira e Vitor Dias Mihessen, Movimento Parque de Realengo
Imagem: Gabriel Migues

A Fábrica de Cartuchos de Realengo foi construída no final do século XIX e desativada no final da década de 1970. E a partir daí começa um movi­mento chamado Movimento Pró Escola Técnica, que traz o Colégio Pe­dro II e um campus do Instituto Federal do Rio de Janeiro (IFRJ). E o Mo­vimento Parque Realengo Verde é derivado disso. Depois que conseguem conquistar o Colégio Pedro II e o IFRJ, surge a luta por esse terreno.

Esse grupo atua de uma forma muito interessante. Ele nunca foi de mo­bilizar numericamente, quantitativamente, muita gente no bairro, mas sempre conseguiu realizar uma série de articulações e pressões. Recen­temente, por exemplo, comemoramos a resolução de um processo que foi iniciado há 17 anos atrás, denunciando a permuta ilegal do terreno que era da União e foi repassado à Fundação Ha­bitacional do Exército (FHE). O que nós reivindicamos é que 100% da área da antiga Fábrica de Cartuchos de Realengo se torne um parque urbano eco­lógico, que seja construído o parque verde.

Os moradores do bairro de Re­alengo, na Zona Oeste do Rio de Janeiro, já estão há décadas lutando para manter uma das últimas áreas verdes da região de pé. Agora, o tão sonhado Parque de Realengo, que po­deria ocupar 142 mil metros quadrados, está ameaçado pela construção de um condomí­nio de prédios residenciais para militares. Esse projeto, que oferece apar­tamentos na planta para venda pela Fundação Habitacional do Exército (FHE), é ilegal e já derrubou centenas de árvores e desmatou boa parte do terreno, destruindo também as ruínas da fábrica.

Imagens: Vandré Nascimento

Em 2017, o então prefeito Marcelo Crivella encaminhou para a Câmara um projeto de lei que liberava a área para a construção imobiliária, sem menção alguma à preservação ambiental. Com mais de 7 mil assinatu­ras, o abaixo assinado de moradores de Realengo fez com que o projeto fosse arquivado. Em 2018, um projeto de lei para o tombamento da re­gião destinada ao parque foi aprovado através do Movimento Parque de Realengo Verde. Mesmo com aprovação na ALERJ, o governador interino Cláudio Castro vetou a proposta. Junto ao Meu Rio, o movimento reu­niu 10.523 assinaturas a favor da causa. Ainda assim, a ALERJ manteve o veto. Em 2021, depois de anos de processo, a Fundação Habitacional do Exército perdeu a cessão da área e precisa explicar os trâmites dessa ne­gociação na justiça. Sendo assim, o terreno pode voltar a ser propriedade da União, sem vínculo com a POUPEX, porém isso ainda não aconteceu.

A grande ligação dessa luta pela construção do parque com a questão da pandemia nas periferias é que a própria pandemia é fruto de um proble­ma ambiental, de um modelo de cidade. O grupo tem uma pegada bem ambiental; tem a compreensão de que nossa luta não é exclusivamente por esse parque, mas, por um outro modelo de cidade, de sociedade.

É um movimento que tem muitos atores e atrizes envolvidos e cada um por um interesse diverso. As disputas e o fazer político na periferia são muito atreladas ao assistencialismo, ao clientelismo, aos currais elei­torais; mas, apesar de ser chamado a partir da figura de um vereador, a luta do Movimento Parque Realengo Verde é mais robusta do que isso e envolve diversos atores e atrizes, organizações da sociedade civil que têm outras formas de pensar e fazer política. A atuação do movimento tem buscado incidir no executivo, no legislativo e no judiciário, em favor da utilização exclusiva do terreno para a construção do parque verde.

Imagens: Vandré Nascimento

A Fundação Habitacional do Exército, após a permuta do terreno com a União, alugou o terreno para a Zona Oeste Mais, empresa de saneamen­to, terceirizada da Cedae; e a empresa usa a área como área de manejo de resíduos. Há uma intensa circulação com entrada e saída de caminhões.

Não se tem conhecimento do impacto que isso pode estar gerando. Esforços estão sendo realizados no sentido de soli­citar explicações da empresa Zona Oeste Mais.

Nós assumimos um protago­nismo maior no movimento, em 2019, com a ocupação artís­tico-cultural Parquinho Verde. É um momento em que a luta pelo parque ganha maior ade­são, mais visibilidade e conse­guimos agregar mais artistas, moradores e pessoas interes­sadas em, para além do cuida­do imediato com o espaço, dis­cutir direito à cidade, ocupação do espaço público.

Temos também tentado impri­mir uma pegada no movimento de ter uma comunicação sim­ples, uma comunicação comu­nitária, porque é um assunto difícil; a coisa é muita burocrá­tica e às vezes as pessoas en­tendem que querem o parque, mas não entendem que briga é essa e por que ele ainda não aconteceu.

Imagem: Vandre Nascimento

O que está escrito no plano de metas não é uma garantia; inclusive nem a promessa pública é uma garantia. A garantia é a nossa mobilização. E pra gente mobilizar é preciso juntar cada vez mais pessoas. E para jun­tar cada vez mais pessoas nós adotamos essa dinâmica de falar através da arte, através da música, através da marchinha de carnaval; através de cursos de políticas públicas; através de formas de comunicar que co­municam principalmente com quem é nosso público alvo: que é a galera do entorno, as crianças, quem se interessa pelas pautas de emergências climáticas, quem se interessa pelas pautas de preservação da áreas ver­des na Zona Oeste. Por isso, inclusive, as pessoas que fecham com nosso movimento são muitas vezes de outros lugares, não necessariamente do eixo Bangu-Realengo, mas que têm nas suas regiões problemas pareci­dos para a preservação de áreas verdes. O que nós queremos é poder es­colher o que será feito com nosso bairro, com nossa cidade, a nossa pos­sibilidade de existência dentro do que é realmente importante pra gente.

Quando surgiu a oportunidade de se ter grupos financiadores e doadores com o contexto da pandemia, nós conseguimos nos tornar articuladores locais para a distribuição de cestas básicas. E isso foi muito importante para enfrentar o problema da fome que atingia moradores e moradoras vizinhos ao parque. Assim, a mobilização que vinha ocorrendo em torno do parque, se sintonizou com a luta pelo enfrentamento do dano que a pandemia causou.

A partir do momento em que passamos a usar o parquinho verde como um lugar para distribuição de cestas e acolhimento da população que está ali no entorno, nós passamos a entender com mais profundidade as ne­cessidades que as pessoas que habitam aquela área externa ao parque têm. E, ao mesmo tempo, é uma oportunidade de mostrar como ter uma área pública e aberta, pensada pelos moradores, pelos coletivos, pelos artistas, pode ser saudável e importante para o desenvolvimento da região. Nós tivemos que pensar muito sobre como juntar as várias dimensões das lutas, que eram: política, socioambiental e cultural. E era também uma luta da Zona Oeste. Tivemos que enfrentar o desafio de pensar como explicar para as pessoas a importância de juntar meio ambiente, cultura, Zona Oeste e política.

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