Polícia Atira Contra Participantes de Batalha de Rap no Bairro Manoel Correia, em Cabo Frio

Juliano Suzano. Beatmaker/DJ e um dos organizadores da Batalha do Forte e Batalha do Mantém
Vídeo na íntegra https://www.instagram.com/p/CdOQMSxLN3y/

O que eu presenciei ontem, dia 5 de maio, na batalha da Tropa do Mantém no bairro Manoel Correia em Cabo Frio, uma roda cultural de Hip Hop criada com o apoio da Batalha do Forte e do Projeto Hórus, foi um choque para mim e para todos que estavam presentes no momento. É o tipo de situação que quem não estava lá no momento não vai conseguir entender o que passamos. Policiais militares adentraram a quadra do Jardim Nautillus, na rua Guianas 92, de maneira truculenta, abrindo fogo contra as pessoas presentes no local e contra os equipamentos de som.

Logo após a operação policial fomos para um local seguro e eu comentei sobre o ocorrido com alguns amigos e familiares. Era visível que eles não conseguiam sentir o mesmo que nós, que estávamos presentes, sentimos: o choque que é presenciar uma instituição que deveria nos proteger não dar o direito de nos explicarmos. Se deixassem a gente dizer que aquela manifestação cultural é legitima, que tem todo aval das secretarias de cultura, da juventude, de desenvolvimento e de outros órgãos públicos de nossa cidade, talvez não teria terminado da maneira que foi. Mas nem isso eles nos deram. Era aterrorizante saber que eles não estavam para conversa. Estavam para provocar medo. Todos que lá estavam sentiram a impotência de ver o principal apoiador daquele ato cultural sendo recebido a coronhadas e tiros no pé do ouvido. Ele tinha pedido para os policiais não atirarem, com os braços abertos e para cima, demonstrando que estava desarmado e em sentido de rendição. Não adiantava pedir. Não adiantava gritar. Não adiantava nada. Tudo o que dava para fazer era aceitar com quem a força estava naquele momento e eles mostravam isso.

Imagens retiradas de https://www.instagram.com/p/CdOQMSxLN3y/

Havia mais de 30 crianças, de 7 a 14 anos, no momento em que os policiais chegaram. O evento foi para um público majoritariamente infantil. Os gritos das batalhas de rimas foram todos preparados para as crianças.

Os gritos de batalha costumam ser mais pesados, com tons mais fortes que não poderiam ser usados lá, pois nosso público era formado 80% pelo público infantil. As crianças estavam sempre se divertindo, gritando a cada rima da batalha. Rimando entre elas. Elas estavam se tornando fãs dos MC’s que estavam se apresentando na batalha, criando novas referências e interagindo com uma realidade que não é comum para eles dentro da comunidade. Nós estávamos trazendo crianças que poderiam estar junto do tráfico naquela hora. Usando droga. Roubando. Crianças que poderiam estar sem nenhuma expectativa de vida naquele momento ou no futuro. Mas elas estavam ali com a gente. Rimando, sorrindo, torcendo, brincando, pedindo para rimar, querendo aprender a rimar, querendo pertencer àquele movimento. Esse é o papel do Rap, do HipHop, da arte. Nosso trabalho é levar desenvolvimento através da cultura.

Depois de diversos estudos e análises sobre as batalhas de rimas fica claro, e evidente, o desenvolvimento das pessoas. A dicção melhora, o vocabulário é aprimorado, a criatividade trabalha e a vergonha é apagada. Isso para as crianças que, muitas vezes, não têm o acesso ao mínimo que ajuda nisso. É horrível, né? Para eles sim. Pois assim como aquele evento, que fizemos no Manoel Correia, me deu um choque cultural enorme, eu tenho certeza que também deu neles. Sem dúvida. A maneira como a comunidade se mostrava totalmente diferente do que se passava nos televisores, jornais e filmes, incomoda. Apesar de tudo é um povo feliz, é um povo forte, é um povo trabalhador, é um povo unido. Lá dentro existe um comércio tão bom quanto existe no centro da cidade. Se eles tivessem o incentivo e a oportunidade que quem é de fora, de qualquer comunidade, tem, a favela seria tão grande quanto é o centro da cidade. Eles dizem que não é possível por causa do tráfico, mas sabemos que o tráfico é o menor problema lá. O maior problema é tratar lá como um local isolado. Isso tira toda a independência que a comunidade poderia ter. Ninguém de fora nunca está afim de ajudá-la a mudar, e situações, infelizmente recorrentes, como as que eles tiveram mostra isso.

O sentimento que fica após isso tudo é esse: policiais despreparados, sem a mínima preocupação de manchar toda uma instituição com seus atos. Muitos policiais dizem que quando entram na favela não são recebidos tão bem quanto são recebidos nas áreas nobres da cidade e o maior motivo de ser assim é a maneira que certos policiais entram nas comunidades. Eles fazem com que aquela farda, com que aquele símbolo que eles carregam no peito, tragam terror quando vistos, e não proteção. No fim, os policiais, que nada têm a ver com essas práticas violentas, acabam sendo atingidos por essa reação da comunidade, que sente-se ofendida com a maneira violenta e criminalizante com que são tratados. Infelizmente, enquanto esse problema não for resolvido dentro da instituição, situações como essa continuarão ocorrendo. Um ciclo de criação de guerra.

Imagem: Juliano Suzano

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