Por um plano diretor popular: queremos moradia digna, vacina, emprego e comida no prato

Conselho Popular – RJ

A Covid-19 é a maior crise sanitária da história da humanidade e o Brasil vive um colapso sanitário e hospitalar, tendo, em meados de maio, mais de 440 mil mortos, devendo terminar o mês com a trágica marca de meio milhão de mortos. Além disso, o desemprego, a pobreza e a fome rondam metade dos lares do país.

No Rio e Grande Rio, o significativo aumento da população de rua – visível a todos – é a expressão mais aguda das desigualdades sociais e da falta de políticas públicas por governos que deviam considerar a saúde, segurança alimentar, o emprego e o bem-estar de todos, mas agem na direção contrária, governam de costas para a população, sem adotar ações eficazes para reduzir os impactos negativos da pandemia de Covid-19 que recaem sobre as camadas mais empobrecidas da população, sendo que o acesso às vacinas seria o principal destaque para que a vida pudesse retornar ao normal o mais rápido possível.

O Brasil enfrenta um processo de elitização das cidades, em que os interesses do mercado imobiliário têm sido mais fortes que os interesses de toda a população. O que temos visto é o corte e/ou redução das políticas de habitação de interesse social e melhorias urbanísticas de favelas, a privatização da água e dos serviços públicos, como no caso do saneamento ambiental e dos equipamentos de saúde, o aumento abusivo das passagens dos transportes públicos, a difusão das parcerias público privadas, o aumento das remoções, a repressão aos camelôs e à população em situação de rua, o genocídio contra os jovens pobres e negros, a violência contra as mulheres, pessoas com deficiência e a retração das políticas sociais.

Como efeito, já são evidentes os sinais de aumento da pobreza urbana nas ruas. Apesar dos graves impactos dessa crise sanitária, econômica e social sobre as favelas e periferias, a Prefeitura da Cidade do Rio de Janeiro iniciou a revisão decenal da Lei Complementar no 111, de 1º de fevereiro de 2011, conhecida como Plano Diretor da Cidade do Rio de Janeiro, ferramenta central do planejamento de cidades no Brasil.

As bases do planejamento das cidades brasileiras estão estabelecidas no Estatuto da Cidade (Lei no 10.257/2001), considerado o principal marco legal para o desenvolvimento das cidades, que regulamenta a política urbana prevista Constituição de 1988, de onde originam seus princípios e diretrizes fundamentais. O Estatuto das Cidades estabelece as normas de ordem pública e de interesse social acerca do uso da propriedade urbana em prol do bem coletivo, da segurança e do bem-estar dos cidadãos, bem como do equilíbrio ambiental a fim de evitar e corrigir as distorções do crescimento urbano e seus efeitos negativos sobre o meio ambiente.

 O planejamento urbano deve ir, portanto, além dos aspectos físicos e territoriais, ordenar o território da cidade como meio para garantir o direito à terra urbana, à moradia, ao saneamento ambiental, à infraestrutura urbana, ao transporte e aos serviços públicos, ao trabalho e ao lazer, para as presentes e futuras gerações. Enfim, o direito à cidade e ao bem-estar para nela viver com moradia digna.

Assim, o Estatuto das Cidades ainda tem como princípios básicos o planejamento participativo e a função social da propriedade. Desde o início do processo de revisão do Plano Diretor da Cidade do Rio de Janeiro, o Conselho Popular e os movimentos de luta por moradia, diante de tudo que foi apresentado, isto é, do avanço da crise econômica, do desemprego e do desalento, da pandemia e do enorme número de mortos e o risco para atividades, reivindicam a suspensão desse processo de revisão por considerarem o momento inoportuno.

Imagem: Rils

 A recusa da prefeitura em suspender a revisão revela a face autoritária e excludente do prefeito Eduardo Paes e de seu secretário de urbanismo, Washington Fajardo, que mantiveram a revisão do Plano Diretor de forma totalmente virtual e com participações online. Essa decisão impede que os cidadãos, especialmente aqueles que vivem nas favelas e periferias, ou de qualquer cidadão ou cidadã que não têm acesso facilitado a internet ou ainda por conta da pandemia, impedindo-os de participar e debater os destinos da cidade onde vivem, limitando sua capacidade de influenciar o poder público na tomada de decisões que beneficiem toda a sociedade.

Diante do conservadorismo e da iminência de implantação deste projeto excludente de cidade, nos desafiam a articular as forças progressistas para a construção de espaço de lutas pela reforma urbana e pelo direito à cidade como um bem comum e resistir contra o autoritarismo e os ataques aos direitos e a qualidade de vida de todos os trabalhadores e trabalhadoras.

Atento à atual conjuntura, o Conselho Popular, que se define como uma articulação que reúne associações de moradores, organizações populares de luta por moradia, organizações não governamentais, pastorais sociais, pesquisadores, estudantes, atingidos pelas intervenções urbanas promovidas pelo poder público e pela iniciativa privada, mandatos populares e partidos progressistas, além de pessoas diversas comprometidas com a luta pela justiça social e ambiental, e pelo direito à cidade, defende um novo projeto includente, socialmente justo e democrático para a Cidade do Rio de Janeiro, propõe:

1. A suspensão da revisão do Plano Diretor da Cidade do Rio de Janeiro e a tramitação de projetos urbanísticos na Câmara Municipal que a ele sejam conexos até que as condições sanitárias na cidade assegurem a ampla participação popular.

2. O fortalecimento da gestão pública do planejamento urbano, da política habitacional e fundiária na cidade é preciso criar espaços de deliberação por meio de audiências públicas, conselhos de políticas públicas de outras formas previstas em lei para elaborar, acompanhar e monitorar as políticas públicas pelo direito à cidade para toda a população;

3. O fim das remoções com a adoção de políticas de prevenção de despejos e o reconhecimento do direito humano à moradia adequada.

É dever do Estado respeitar, proteger e cumprir o direito à terra e à moradia adequada e adotar medidas preventivas contra ações sistemáticas de despejo e remoção sem qualquer discriminação ou distinção. Defendemos o direito humano à moradia adequada e políticas públicas de habitação de interesse social, dando uso a áreas e imóveis vazios que não cumprem a função social da propriedade. Para isso defendemos ampliar a demarcação de Áreas de Especial Interesse Social (AEIS) ocupadas e vazias, posto que são instrumentos fundamentais para realização desta tarefa.

O poder público deve priorizar políticas públicas para reduzir o déficit de imóveis com a criação de programas de produção de novas moradias populares com toda a infraestrutura urbana, além de programas de regularização fundiária, titulação e melhorias urbanísticas para os assentamentos informais urbanos como favelas, ocupações e loteamentos populares. Neste sentido, é fundamental a utilização do instrumento da Cota de Solidariedade, como forma de garantir que em todo grande empreendimento aprovado na prefeitura uma parte desta cota seja destinada, exclusivamente, para habitação de interesse social.

Defendemos ainda a elaboração de um plano de prevenção de desastres socioambientais, de modo a mitigar os riscos de deslizamentos e alagamentos, com ações para a contenção de encostas, drenagem, saneamento e reflorestamento. A prefeitura precisa elaborar um plano de urgência para reassentar famílias vítimas de desastres socioambientais e removidas pela prefeitura nos últimos dez anos, e que estão desassistidas e muitas sem receber aluguel social temporário.

4. A realização do levantamento dos imóveis públicos ocupados pela população pobre e/ou movimentos sociais, sobre os quais incidam ações de despejos, reintegração de posse ou reivindicatórias de propriedade, determinando a imediata suspensão e negociação.

5. A garantia de recursos orçamentários e o financiamento em habitação de interesse social.

Defendemos a criação do Conselho Municipal de Habitação, previsto no § 3o do artigo 311 do Plano Diretor da Cidade do Rio de Janeiro, o do Fundo Municipal de qual prevê a elaboração participativa e controle social do Plano Municipal de Habitação de Interesse Social e Habitação de Interesse Social, este criado pela Lei no 4.463, de 10 de janeiro de 2007.

Aproveitamos a oportunidade para apresentar a proposta de que a 100% da arrecadação da Outorga Onerosas do Direito de Construir seja destinada para habitação de interesse social no seu sentido amplo, garantindo a moradia digna. O compromisso do Conselho Popular é de estar presente nas favelas e nas ruas, atuando para construir o poder popular junto às associações de moradores, movimentos populares de luta por moradia, cooperativas habitacionais e nas lutas pela posse da terra, apoiando as reivindicações contra políticas urbanas baseadas em projetos tecnocráticos e excludentes colocados em prática por governos sem qualquer compromisso com as favelas e periferias. Defendemos em todas as instâncias a participação popular e a gestão democrática da cidade e lutamos para que toda a população tenha moradia digna, vacina, emprego e comida no prato.

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