“Quando a gente fala é igual arrumar o quarto, por pra fora, abrir espaço pra depois estar cheio de novo”: entrevista com Einstein

Fábio Araújo e Luciene Silva

Entrevista realizada com Albert Einstein, de modo remoto, em 8 de março de 2023.

Fábio: Primeiramente, agradecemos a sua participação. Você pode se apresentar?

E: Agradeço a possibilidade de falar. Agradeço o convite também. Sou Einstein. Geralmente, costumo me apresentar como Einstein RC, que é meu nome artístico, meu nome de guerra nas atuações que eu faço por aí, voltadas para o âmbito da cultura, porque eu sou músico também. Sou produtor, sou MC… Já trabalho com arte e com educação há mais ou menos uns treze anos. Também faço parte do Instituto Enraizados, que foi onde eu comecei as minhas atuações. Estou caminhando no âmbito do meu trabalho e fico feliz de até hoje trabalhar com a minha arte… O que aconteceu recentemente comigo foi que o meu irmão Douglas de Paula Pampolha dos Santos desapareceu com mais quatro meninos, aqui na Baixada Fluminense. Eu sou de Nova Iguaçu. E desapareceu numa situação em que a nossa localidade tem atuação de milícias. Nós somos rodeados de todas essas forças paralelas, seja milícia, seja tráfico. Eu já estou acostumado a lidar com essas situações porque meu trabalho me leva para esses locais. Onde eu atuo levando arte, a gente se depara com essas situações. Anteriormente, essas violências já tinham chegado em mim através de amigos. Eu já tinha perdido uns dois, três amigos para essa questão da violência local. Só que dessa vez foi com meu irmão.

Aconteceu há alguns meses. Eu, particularmente, parei de contar sobre o caso porque… é doloroso, né?! A busca que a gente fica para, pelo menos, enterrar um irmão, um parente. E depois disso, acho que me afetou psicologicamente e eu parei de contar. Foram-se completando meses e para mim fica a sensação de que ainda são semanas, dias. Dois desses meninos foram encontrados, no caso, os corpos.

F: Como vocês tomaram conhecimento do ocorrido?

Então, chegou um rapaz na minha casa, um dos colegas dos meninos. Ele chegou transtornado no meu portão, e falou: “Pô, o teu irmão e mais ciclano e mais beltrano e mais fulano sumiram! Os caras pegaram”. Eu falei: “Como assim, mano?”. E aí, eu perguntei detalhes e ele me informou, mas falou que era coisa séria, que ele nem podia ir lá resolver porque não ia dar, porque ele estava com medo de ir. Aí, eu fui e comuniquei ao pessoal em casa. Logo que eu comuniquei o que ele havia me explicado, a gente tomou as providências de ir buscar, de tentar fazer o possível. Tomar as medidas possíveis, correr atrás. Acionar a polícia, dizendo que ele tinha desaparecido. Foi isso o que a gente fez.

F: Como foi o atendimento policial?

É aquele procedimento de desaparecimento, que não adianta nada. É um procedimento lento, que a gente tem que explicar o que aconteceu. O que é isso? O que é aquilo? Na real, a gente precisa da polícia na hora, né? Para ir atrás. Que vá lá, entre lá e veja o que aconteceu, enquanto dá tempo de salvar uma vida em uma situação de risco de vida. E houve o procedimento desse atendimento. Depois, no dia seguinte, a polícia começoua correr. Acharam algumas coisas. Quando foi noticiado, acharam o local, acharam dois corpos. O atendimento foi ok, sabe? Foi dada atenção, não fomos tratados de maneira assim: “tanto faz”. A gente foi tratado com a devida atenção. Não foi com indiferença.

Entretanto, depois que acharam dois dos meninos, pararam tudo. Se eu não me engano, trocou o delegado. Não era mais a mesma delegada, foi pra outro. Não entendi muito bem porque isso aconteceu, se estava caminhando. Um detalhe quando eu estava no processo de reconhecer os corpos: a gente foi pra um setor da polícia, perto do Hospital da Posse, até esqueci o nome, não sei se é IML. A gente chegou lá e aí a gente ficava no processo de espera, muito repórter no entorno, nos arredores, querendo que a gente falasse. A gente não quis falar através dos canais de mídia porque já tínhamos feito tudo, o que sobrava ali era o sensacionalismo da nossa dor. O processo já estava correndo, só podíamos buscar, ir atrás de fazer os procedimentos, mas a mídia queria mais, queria ver a gente chorar, lágrima dá audiência. A mídia quer ver o outro sangrar.

F: Como foram as idas e as buscas no Instituto Médico Legal (IML)?

No IML, eu tive a seguinte resposta quando eu fui lá buscar uns restos mortais que tinham achado… A mulher falou assim: “Aí só tem víscera… tipo, se você quiser levar víscera pra casa…”. Ela falou isso pra mim, tá ligado? Porque eu perguntei, sabe? Eu falei assim: “Pô, não dá pra ver essas vísceras?” Ela falou: “Como é que vai descobrir? Pode ser de porco”. Só que ela falou rindo, sabe? Numa frieza e numa falta de humanidade mesmo. É só pisão onde a gente não está mais sentindo, já está machucado.

F: Como foi a repercussão na mídia?

Na questão da mídia, a certeza que a gente tem é que depois que acharam dois corpos a cobertura do caso parou. Por exemplo, quando acharam os dois corpos, foi televisionado. A busca foi televisionada pela Rede Record. Aí, teve a entrevista com uma das mães das vítimas e depois disso parou. Mas ficaram dois corpos sem serem encontrados. Então, qual é o intuito? O intuito é contribuir ou é vender matéria? Lógico, o intuito também vai ser vender matéria, mas podem ser intuitos simultâneos. Preciso vender matéria, mas também tenho compromisso de contribuir. A matéria vai ser vendida pelo jornal, mas o fator humano também é importante para nós enquanto sociedade. Sacou? Esse fator não existe, só existe o fator vender matéria.

Eu disse uma vez para uma repórter que eu não ia falar porque não tenho o que dizer. A única coisa que eu tenho para dizer é que quero que essa experiência de alguma maneira se amenize, que aconteça com menos frequência na minha localidade, porque é comum acontecer.

F: Esse tipo de jornalismo não tem compromisso com a busca da verdade e da justiça. Muitas vezes, pegam a narrativa da polícia, não se preocupam nem em ouvir os familiares, que são criminalizados por morar em territórios periféricos, por serem negros e pobres. A mídia oficial, a mídia corporativa, participa desse trabalho de desumanização.

E: Muito importante esse adendo. Tipo, a gente tem que ter empatia, né? Por isso que eu disse… Eu acho que pode ter o intuito de informar, o intuito de vender a matéria, mas também ter esse compromisso com a gente, com o indivíduo, com a sociedade. É necessário ter responsabilidade com a matéria, com o caso, é preciso ter responsabilidade no aspecto profissional, mas tem o aspecto com a outra pessoa também.

F: Claro, exatamente!

E: Essa violência também pode chegar em mim. Não digo nem no quesito pessoal, é no sentido de: “pô, essa violência está aqui, afeta o outro, e eu me importo com isso. Eu me importo com as outras pessoas. A gente precisa ter empatia junto ao nosso profissionalismo… Porque eu acho que faz parte de qualquer profissão. Só que o normal hoje…É uma competição por quem vende melhor, sacou? A gente vê esse detalhe quando a gente pega a emissora X, no momento que ela está notificando o caso: “oh, foi a gente que achou os dois corpos. O helicóptero que achou os corpos”. Isso aconteceu, tá ligado?

F: A imprensa afirmou que foram eles que acharam os corpos?

E: Isso, o repórter falou: “Foi a gente que achou…”. Tipo, eu não tô interessado em quem achou o corpo… Isso deveria ser motivo de vergonha porque quem tinha que ter achado o corpo era a polícia, tá ligado? Não a imprensa bater no peito e falar: “porra, eu achei”. Ou seja, você vê o total descompromisso empático ali, tá ligado? A gente sabe que funciona assim. Como eu disse, eu tive a experiência com amigos, tá ligado? Quando estão acontecendo essas coisas em torno da gente, são sempre as mesmas situações. “O que o ciclano estava fazendo?”. E aí, é outro aspecto empático também, porque quando a gente vai ver em algum portal, a notícia diz: “ah, era suspeito de fazer tal, tal e tal”. As matérias são focadas nisso. Suspeito disso e suspeito daquilo. Se ciclano fez algo errado, ciclano tem que ser punido da seguinte forma… Não justifica ser punido com a vida, sacou? Isso é vendido como se fosse uma parada correta: ah, porque eu fiz isso aqui de errado, eu tenho que morrer”. Não! Eu acho que no nosso país existem leis e eu acho que as nossas leis têm que ser seguidas.No mundo perfeito, isso vai acontecer. Ninguém vai tomar tapa na cara porque tá com uma ponta de maconha. Porque a gente sabe que não há necessidade disso. A gente vai ser abordado e vai seguir o protocolo da abordagem corretamente. Mas não é o que acontece!

Luciene: No caso do desaparecimento forçado, a punição é dupla: punem a pessoa e punem a família. É uma punição que atravessa a família inteira. E isso se estende para o resto da vida. É um dano para a saúde mental e física. Ter uma pessoa desaparecida é o dobro da punição, é o dobro de crueldade, exatamente porque você não dá o direito para essa família de se despedir, de fazer uma última homenagem. E isso é muito duro!

E: Tem a história da dúvida, né? A dúvida te tortura para o restante da vida. Às vezes, a minha tia fica esperando alguém bater no portão. É complicado falar… Porque se eu pego pra falar uns detalhes desses, acaba que eu choro. Mas o pior é que eu não sou tanto uma pessoa de chorar, sacou? É difícil pra mim chorar, mas eu acho que essa parte, tipo da tortura, é isso… Da gente chegar num nível de tristeza que nós não conseguimos colocar pra fora. Aí, a gente acaba que vai ficando doente, tá ligado? É como ela destrinchou bem.

F: É necessário um acolhimento, né? É o que precisa…

E: Exatamente, era isso que eu ia falar.

F: Precisa ser acolhido, não interrogado.

E: Correto! Às vezes, aquilo que é perguntado é muito íntimo, sacou? É invasivo. E tipo, a gente acaba sendo questionado, tá ligado? Questionado no momento de reportagem, seja qual for… E a gente tá com essa mesma dúvida, tá ligado? Às vezes, o repórter faz uma pergunta pra nós que é a mesma pergunta que a gente se faz todos os dias. O ponto principal é que a gente deveria ter minimamente um acolhimento por parte do Estado, deveria ter um psicólogo aqui, tá ligado?

F: E mesmo nos serviços, né? Por exemplo, no IML, que é uma coisa duríssima. As pessoas não têm que chegar lá e ficar ouvindo barbaridades…

E: É…eu ia fazer o reconhecimento do corpo. Toda a vez que eu estava lá, eu via um corpo diferente. Para ver se era o corpo que eu estava procurando, tá ligado? Só ali, a gente já precisa de um apoio psicológico qualquer. Mas a gente não tem.

F: Você vê por imagens ou eles tiram as gavetas e ficam mostrando os cadáveres?

E: O familiar vai lá dentro ver. E assim, tipo, por exemplo: o familiar de um dos meninos vai, você pode ir junto. Só que é complicado. É uma parada muito doida ficar correndo atrás de corpo. Inclusive, eu até… Eu não gosto muito de ficar falando só sobre mim porque, às vezes, eu me sinto até… Isso acontece tanto com outras pessoas… Eu sei que não é isso, tá ligado? Mas a nossa cabeça mesmo, a gente se acha um pouco egoísta, tipo: “Ah, tô falando só da minha situação”. Como eu disse, o acolhimento é muito importante. Quando aconteceu tudo, eu estava fazendo pré-vestibular, eu estava tentando entrar na faculdade, sacou? Só que com a minha saúde mental, eu não consegui estudar. Larguei a parada no meio. Queria fazer o ENEM (Exame Nacional do Ensino Médio), não fui nem fazer o ENEM.

F: Eu gostaria de te perguntar a respeito da sua família…como ela está, o que mudou na rotina de vocês depois de tudo isso? O seu irmão morava com vocês?

E: Ele morou a vida inteira com a gente, nós fomos criados juntos. A gente é filho do mesmo pai e a gente já tinha várias paradas na vida. Tipo, a nossa família era muito grande, sacou? Só que, com o tempo, a gente foi perdendo todo mundo. A gente tem muitas perdas na família. Por exemplo, o meu avô faleceu, nós tínhamos oito anos. Na real, eu tinha oito. Meu pai faleceu, eu tinha 15. Antes do meu pai, eu tinha perdido o meu padrinho, que frequentava muito minha casa. Aí, recentemente, depois do meu pai, perdi uma tia também, que frequentava aqui em casa. Então, a família foi esvaziando, sacou? Tinha muita gente que frequentava aqui. Depois disso, que a gente teve tantas perdas, ele teve um filho. E aí, o filho dele foi crescendo aqui…

Douglas, tia Kilana, vó Nazaré, tia Luciana e Albert Einstein – Foto: Acervo pessoal Einstein

Douglas e o filho – Foto: Acervo pessoal Einstein

F: O seu irmão?

E: Isso! Ele foi crescendo aqui, ele preenchia. Criança é uma alegria em casa, na vida da gente, né? E aí, ele ficava aqui e tudo mais. Só que, assim, ele tinha a esposa e aí estava brigando com a esposa. Separou e foi cada um pra um canto também. Aí, depois de um tempo, ele saiu para morar de aluguel. Mas ele viveu a vida toda aqui, então… Nos tempos que a gente vive, de tecnologia, de informação muito rápida, processada de maneira muito rápida, a vida já fica vazia, sacou? Então, tipo assim, a gente já é sensível, sabe? A gente já é acometido por um monte de doenças, da nossa cabeça mesmo. A gente desenvolve porque fica um vazio, né? Igual eu, eu trabalho com arte, eu tenho que frequentaras redes sociais. E, às vezes, se eu estiver revoltado com a minha vida e não tiver o menor filtro possível, eu quero ter a vida do outro, sacou?Porque parece que é muito boa e a minha é muito ruim. E aí, depois que acontecem questões como essa, aí piora! Esse filtro fica mais difícil. Eu sinto a sensação de frio em casa, independente do clima, se é verão ou se é inverno. Porque fica faltando, a casa fica vazia, né? Ainda mais com o moleque que não está mais aqui, com o filho dele que não está mais ficando aqui. Ele foi morar com a mãe dele. E, às vezes, ele vem pra cá. Quando ele vem, fica mais feliz!

Einstein e o irmão Douglas – Foto: Acervo pessoal Einstein

F: Qual a idade dele?

E: Ele tem quatro anos. Eu, particularmente, não consigo ficar tão próximo dele porque, tipo, me dói, sacou? Me dá gatilhos! Mas eu fico próximo a ele assim… Eu brinco, eu cuido, eu levo para a escola quando ele tá aqui, entendeu? Eu assumo minhas responsas com ele, até como se eu fosse pai dele. Não que eu queira ser, sacou? Mas, eu sou a figura masculina que ele tem. Aí, tipo, eu digo isso numa questão de carência, tá ligado? Porque quando eu perdi meu pai, com 15 anos, eu fiquei carente, sacou? De um pai mesmo. Mas é aquilo: eu fui criado por três mulheres e fez muito bem pra minha vida, fez muito bem pra mim. A única diferença é que eu queria que meu pai também estivesse. É só isso. Então, eu digo que o aspecto de carência é isso mesmo, pra não faltar… Querendo ou não, sendo uma figura masculina… Tipo, o meu gatilho é esse! Em algum momento, ele vai falar assim: “Pô, não tenho pai”. Isso me destrói, me rasga de serra elétrica por dentro, tá ligado? Só que é aquilo, eu tipo tento, mesmo com a minha dor, empurrar com a barriga. Estar perto dele, sacou?

F: Ele fica perguntando sobre o pai? Como que vocês lidam?

É foda, tá ligado? É aquilo… Ele ficava perto do pai também. Aí, eu só tento chegar no nível de conversar com ele pra tipo… pra ele não achar que o pai está rejeitando ele. Tipo, a última vez que ele viu o pai, o pai saiu, sacou? Então, às vezes, na cabeça dele, ele pode ter a sensação de que: “pô, o meu pai não quer me ver”.

F: Terrível… É muito desamparo, né?

E: É isso… É esse filtro que eu tenho que ter quando estou com ele. Pra ele não sentir essa sensação. Porque eu sei que dá, sacou? Eu vejo no olho dele… Que ele tá ali, esperando, aí ele precisa da confirmação de que não é isso que está acontecendo. Pra ele, é certo que é isso que está acontecendo… que o pai rejeita. Ele passou o aniversário sem o pai. Tipo: “ah, por que meu pai não vem na minha festa?” Tipo: “Ah, meu pai tá triste comigo?”. E eu: “não, teu pai te ama, só que ele está trabalhando”. E aí, tipo, querendo ou não, acho que isso é um aspecto pesado. Quando você tira a vida de uma pessoa, você está tirando a oportunidade de, seja um pai, um filho, por exemplo, a oportunidade de um filho de ter mais tempo com o pai. Ou a oportunidade de um pai de ver um filho crescer. De um neto ter mais tempo com uma avó. E o pior de tudo… O mais crucial é que você tira a oportunidade de… Mesmo se for questão de um erro, se você pune alguém porque… O que eu também não acho correto, mas se você põe na sua cabeça que você está punindo alguém por causa que alguém errou, e você tá punindo com a vida, você está tirando a oportunidade dessa pessoa reconhecer o erro dela, dela fazer diferente, tá ligado? A gente evolui tecnologicamente, mas humanamente ainda é primitivo. Aliás, humanamente não, empaticamente… Porque humanamente a gente é isso daí, tá ligado? Difícil é você ver um bicho fazer algo assim. O humano é que é o problema!

Espero que eu tenha respondido a pergunta, mas é isso: fica frio, fica sobrando espaços dentro de casa. O problema do desaparecimento é que fica a sensação de que a pessoa vai chegar em algum momento. E a gente não consegue colocar na cabeça do outro que já foi. Tipo assim: não cara, não vai voltar, tá ligado? “Não, eu tenho que procurar no hospital”. Não, cara, se fosse no hospital, já tinha achado. O repórter já tinha achado primeiro que a gente. Então, é difícil esse processo. Em casa, me encontro nesse processo de tentar fazer algumas pessoas entenderem…

Depois que acontece isso, você precisa do apoio psicológico que eu tô falando, você precisa de um apoio psicológico para você não exigir do outro, tá ligado? Porque automaticamente você começa… A gente tem essa naturalidade feia de descontar nos outros… E, às vezes, a gente não está sabendo lidar com a nossa dor e a gente cobra do outro. Só que o outro está machucado, aí o outro fica cansado mentalmente, aí cria uma bola de neve, que ninguém sai do lugar.

L: É aí que a gente fala de saúde mental, né? O quanto causa de prejuízo pra saúde mental, pro emocional, pro psicológico, e daí, vai desencadeando outras questões físicas, clínicas, que só vão piorando. E aí, a gente tem que conviver porque a gente é família, né? E isso, às vezes, traz conflitos, traz desentendimentos e sofrimento, né? Por isso que é imprescindível que exista um atendimento voltado para essas famílias, para essas mães, para os familiares de vítimas e de desaparecidos. Eu lido com uma mãe que há anos está esperando o filho voltar… São 15 anos esperando o filho voltar! Ela está doente mentalmente, psicologicamente e fisicamente, mas ela não aceita que o filho está morto… Porque, assim, não cai a ficha se você não vê… A mãe, ela tem que tocar… Ela tem que sentir que o filho está sem vida.

F: Einstein, primeiramente, gostaríamos de te agradecer muitíssimo! Eu não sei se você quer fazer mais algum comentário, mas sinta-se totalmente à vontade, tá bem?

L: Quero agradecer ao Einstein também. Sei que não é fácil falar sobre isso, repetir isso tudo. Só agradecer, muito obrigada por você ter participadoconosco dessa conversa.

E: Eu agradeço também! Por ter o espaço para falar; é importante falar. É difícil, às vezes, se comunicar dentro de casa, sacou? E aí, ter um espaço para falar… Ainda mais tipo assim, quando a gente está com dificuldade e aí tem tipo… tem um terreno para você caminhar ali e entendero que está acontecendo… Você vai falando e abrindo espaço. Eu tenho alguns amigos que falam assim pra mim: “Mano, pô, tá acontecendo umas paradas na minha vida e pá. Eu não sei como agir, tá ligado? Eu não sei falar, não sei explicar”. Aí, eu geralmente uso um exemplo assim: “Mano, às vezes, é o simples, começa a fazer, a criar o terreno para você ficar à vontade, conseguir criar o espaço para você melhorar”. Eu vejo assim: às vezes, eu fico num cenário onde o meu quarto está todo bagunçado. O espaço onde estou dormindo tá todo bagunçado. E aí, eu começo a arrumar, sacou? Imaginar o meu quarto como se fosse a minha cabeça. Eu vou desempilhando tudo e vou abrindo espaço, sacou? E aí, eu consigo raciocinar e pensar melhor, lidar melhor com meus sentimentos.

Então, quando a gente caminha nessa linha de raciocínio, nesse ambiente, a gente consegue abrir espaço… E quando a gente fala é igual arrumar o quarto, por pra fora, abrir espaço pra depois estar cheio de novo. E eu agradeço por isso, por ter a oportunidade de falar e, como eu disse, eu não falei com fonte nenhuma anteriormente porque eu não me sentia à vontade. Tinha todo esse fundamento por trás de como funciona, que é importante estar aqui, por exemplo, com a Luciene, que me facilita falar… Porque eu sei que eu posso falar tranquilamente… Como a gente conversou em off aí, sabe, da Fiocruz, como eu já trabalhei aí, eu sei dos propósitos, né? E isso é importante… Conhecer os propósitos!

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