A Prefeitura da Cidade do Rio de Janeiro publicou recentemente um decreto proibindo a utilização de caixas de som nas praias, uma decisão bem polêmica. É claro que, como vimos na última edição do Radar Covid-19 Favela, os limites de decibéis acima do permitido são causas de muitos impactos à saúde. Se o volume alto de uma caixa de som já não é saudável, imagine um cenário com várias caixas de som ao mesmo tempo, quão grande seria este ruído? Mas seria essa a melhor forma de tratar a poluição sonora na cidade?
A primeira questão que trago ao debate é bem clara, apesar do som alto contribuir com a poluição sonora, o problema não é a utilização da caixa de som, e sim, o volume em que ela estiver reproduzindo.
O Decreto Nº 50671 de 25 de abril de 2022, publicado no Diário Oficial, considera a Lei nº 4.139, de 18/07/2005, que
“define critérios deproteção ambiental para as praias e cria faixa de proteção à vegetação de restinga, onde em seu artigo 6o, inciso XI, já proíbe nas praias municipais a utilização de equipamento destinado à ampliicação de som, com exceção daqueles destinados à promoção de atividades desportivas ou de lazer, devidamente autorizadas pelo Poder Executivo”.
Contudo, traz de volta o debate sobre fiscalização versus repressão. Seria a repressão a melhor maneira de cumprir a lei?
De acordo com as normas vigentes, o Decreto nº 5.412, de 24 de outubro de 1985, no art. 2º, inciso IX, define
“poluição sonora como qualquer alteração adversa das características do meio ambiente causada por som ou ruído e que, direta ou indiretamente, seja nociva à saúde, à segurança ou ao bem-estar da coletividade”
ou seja, a poluição sonoranão se caracteriza diretamente na utilização de caixas de som, massim, quando o som emitido por estes equipamentos excede os limitesde decibéis estabelecidos e passam a ser uma prática “nociva à saúde,à segurança ou ao bem-estar da coletividade”. Ou seja, se alguémutiliza sua caixa de som dentro dos padrões, que não seja nociva enão ameace o bem estar da coletividade, não estará infringindo a leiacima. Portanto, para se garantir o direito, a saúde e o bem estar detodos, deveriam fiscalizar a utilização destes equipamentos e nãoproibi-los.Alguém poderia argumentar, mas como fiscalizar a praia inteira? Eurespondo: da mesma maneira que terão que fiscalizar agora se alguémestiver com caixa de som ligada. Como será feita esta fiscalização?As caixas de som serão apreendidas? O usuário da caixa de som será
detido? Multado? Quem fará esta fiscalização? Quais os parâmetros estabelecidos para o cumprimento deste decreto? São muitas as questões envolvidas que deveriam ser ampla e democraticamente debatidas.
Em ambas as situações, deveria haver fiscalização para que a lei, normas ou decretos sejam cumpridos, porém, da forma como estão colocando como “solução” da poluição sonora nas praias a proibição de caixas de som, sem diálogo com a sociedade, nos parece que a única opção do estado é reprimir, ao invés do que deveriam fazer: sentar, dialogar, planejar e realizar um trabalho de educação ambiental que leve a sociedade a uma conscientização coletiva e não repressão em detrimento de interesses pessoais e de classes. Senão, o que diríamos das festas de fim de ano realizada pela mesma prefeitura utilizando caixas de som nas praias, será que o decreto estará em vigor ou abrirá exceções? Ou seja, caímos no ditado popular do “faça o que eu digo, não faça o que eu faço”.
A segunda questão é: A prefeitura decreta uma proibição alegando tentar coibir a poluição sonora causada pela sociedade, porém quando é o Estado quem produz a poluição sonora quem irá proibilo ou reprimi-lo? Na zona norte do Rio, o Conselho Comunitário da favela de Manguinhos, juntamente com moradores, trabalhadores e representantes de escolas e projetos locais, protocolou um ofício na Secretaria de Polícia (Sepol), solicitando isolamento acústico para o estande de tiros da Cidade da Polícia localizada ao lado da comunidade, que tem prejudicado o desenvolvimento de estudantes e o sossego de moradores da região. No entanto, nenhuma providência foi tomada e o som provocado pelo treinamento continua impactando os moradores e trabalhadores da região..
De acordo com o decreto, também é considerada a Lei nº 6.179, de 22/05/2017, que “dispõe sobre medidas para o combate eficaz à poluição sonora no Município do Rio de Janeiro, no art. 3º estabelece que constitui infração a ser punida na forma desta Lei perturbar o bem-estar e o sossego público ou da vizinhança com algazarras ou barulhos de qualquer natureza, inclusive os produzidos por animais domésticos, voz humana, som musical, obras, reformas e outros capazes de prejudicar o meio ambiente, a saúde, a segurança ou o sossego público”. A pergunta é: quem vai punir a infração causada pelo Estado? Quem fiscalizará os órgãos públicos? Por que o direito de moradores de favelas continua sendo violado? Porque não são tratados de forma igualitária, com a mesma agilidade e importância?
Sobretudo, defendo que a poluição sonora não deveria ser tratada como caso de repressão e sim como questão de saúde pública. Não deveria ser “preocupante” somente nas áreas da zona sul, áreas consideradas da “Elite” da cidade, mas em TODA cidade. O que diríamos da poluição sonora causa pelos veículos que transitam diariamente nas vias que cortam os bairros e favelas do Rio? O que dizer da poluição sonora causada pelas obras espalhadas pela cidade? Quem vai fiscalizar o Estado? Desta forma fica nítido que a participação social se faz cada vez mais necessária para garantir que seus direitos não sejam reprimidos e o dever do Estado seja cumprido.
Acesse o decreto na íntegra em: https://doweb.rio.rj.gov.br/portal/visualizacoes/pdf/5321/#/p:3/e:5321