Sobre o processo de imagem ritual

Leah Cunha é mulher trans, negra, artista visual, performer, favelada é candomblecista. É diretora artística do laboratório de composição de imagem-ritual.

A oficina de composição de imagens é ministrada por Leaħ: mulher trans, negra, candomblecista, favelada e diretora artística do Laboratório de Composição de Imagem-Ritual. A partir de uma perspectiva decolonial, a oficina é um espaço-tempo de cuidado, escuta e expressão estética, que toma como referência as tradições culturais negras vividas na diáspora. Levando em conta o invisível como parte fundante do visível, a oficina propõe a experimentação do sentido da visão apenas como parte do processo de composição da arte visual. O olfato, o paladar, os movimentos, a escuta e o tato são campos importantes para vivenciar as visualidades.

Para respaldar teoricamente a pesquisa e a composição em Imagem-Ritual, e todas as discussões que levam em conta a afirmação do invisível como parte fundante do visível, tomamos como ponto de partida a intelectualidade negra brasileira, que pensa, dentro do espectro das culturas negras, as imagens e ritualizações. Entre as/os intelectuais que dão fundamento à nossa pesquisa temos: Lélia Gonzalez, Sueli Carneiro, Beatriz Nascimento, Abdias Nascimento, a doutora Leda Mara Martins, o doutor Muniz Sodré, a filosofa doutora Denise Ferreira da Silva, a professora Yêda Pessoa, Edileuza Pena, entre outras e outros.

O Coletivo abrange fotografias, videografias e performances, tudo resultado de um processo de trabalho investigativo, um trabalho ancestral de cada uma, de cada um. O ponto central de investigação desta pesquisa é a inseparabilidade do nosso corpo com o mundo, uma premissa básica das tradições populares e religiosas afro-ameríndias: somos compostas por elementos da natureza.

Nessa investigação, que pode durar horas ou dias, imergimos num espaço-tempo em que pesquisamos qual elemento da natureza fala mais alto em determinado corpo, em determinada corpa. E a partir daí, começamos uma investigação transsensorial (trans= estar nas bordas, nos limites, nos limiares, nas transições. Se há aqui um ser, este ser é fluido, correnteza, atlântico). Na investigação transsensorial, o toque inventa sonoridades, as sonoridades inventam caminhos com cheiros, o olfato estala cores, as cores lambem paladares e os paladares asseguram movimentos, instavelmente equilibrados, nascentes, olho d’água e, de repente, uma palavra insabida, distraída de sentido engessado. Palavras que só fazem sentindo.

A partir daí, percebemos que a visualidade ocidental é pobre, pois é amputada dos outros sentidos. A arte visual que propomos está em inteira pulsação com todo o campo sensório. Mas, por que IMAGEM-RITUAL?

Para falar de ritual aqui, conversaremos com a rainha Leda Maria Martins. Para a autora, o corpo é o lugar das memórias, dos legados deixados pelos nossos antepassados e nele, no corpo, na corpa, coexiste o visível e o invisível. E este é o feitiço (Muniz Sodré), o ritual: saber manejar o visível e o invisível.

No VISÍVEL, há uma dimensão concreta, palpável, descritiva. Conseguimos falar de certo cheiro, do peso de algo, da velocidade de alguma coisa, das levezas, das cores, das texturas. E o que seria o INVISÍVEL NO PROCESSO DE PESQUISA E COMPOSIÇAO DE IMAGEM-RITUAL? O invisível seria a sensação sem nome, quando entramos em contato com um corpo (pedra, pena, pó, pele); seria o calafrio, o choro, o riso, a alegria, enfim, O ESTRANHAMENTO característico da zona limítrofe, lá onde a palavra ainda dança sem nome. Geralmente, neste momento, nos perguntamos: isso existe, isso é legítimo, é arte, isso é foto, é teatro, é performance? É aí, quando surge o ESTRANHO, que o trabalho começa e é preciso coragem e cuidado para sustentar a dimensão trans (o limite, o limiar, o desconforto). Eu, como diretora artística, CUIDO para que nos percamos o suficiente para a criação. Ao mesmo tempo que instigo o coletivo a entrar nessa zona desconfortável do não saber, do estranho, do descontrole, do esquisito, do ridículo, também escuto até onde cada um pode ir. O investimento neste ponto gera a performance. Estou há dez anos nesta pesquisa, que vaza também para o meu trabalho de atriz nos palcos.

Esta gostando do conteúdo? Compartilhe

Veja Também