Também desde o ar, as e os procuramos: experiências do coletivo forças unidas pelos nossos desaparecidos em Nuevo León/México no uso de aeronaves não tripuladas

Víctor Hugo García Gómez, Pós-Graduação em Antropologia da UNAM/Especialização em Antropologia Forense da ENAH/GAF-FLAD México.

Irma Leticia Hidalgo Rea, Coletivo Forças Unidas pelos Nossos Desaparecidos em Nuevo León¹. Angélica Orozco Martínez, Coletivo Forças Unidas pelos Nossos Desaparecidos em Nuevo León.

José Evaristo Reyes Gómez, Coletivo Forças Unidas pelos Nossos Desaparecidos em Nuevo León.

Nas linhas que seguem, expomos algumas das experiências que as e os integrantes do coletivo “Forças Unidas pelos Nossos Desaparecidos em Nuevo León”³ (FUNDENL)/México, têm adquirido no exercício de seu Direito de participar nas buscas por pessoas desaparecidas, em especial, através do uso e da operação de tecnologias de sistema de aeronaves remotamente pilotadas, conhecidas como drones. Essas experiências vão desde a aquisição das aeronaves, a obtenção dos conhecimentos para a sua operatividade, bem como a criatividade para diversificar os seus usos, produzindo novas possibilidades de ação. ‘

¹ Fuerzas Unidas por Nuestros Desaparecidos en Nuevo León: http://fundenl.org/

² Discurso da Irma Leticia Hidalgo Rea pelo sexto aniversário do desaparecimento de seu filho, Roy Rivera Hidalgo (https://www.youtube.com/watch?v=HCiG1xA3zmw).

³ Nuevo León é uma das 32 entidades da Federação que compõem o território mexicano. Localiza-se no nordeste do país; está integrado por 51 municípios e a capital é a cidade de Monterrey.

A FUNDENL é só um dos muitos coletivos de familiares de pessoas desaparecidas que surgiram no território mexicano devido à crise social que atravessa o país. Rodolfo Gamiño (2021) assinala dois momentos conjunturais que têm feito o fenômeno do desaparecimento visível no México, levando-o a se converter em um assunto público: a nomeada “Guerra Suja”, acontecida na década de 1970, e a “Guerra contra o narcotráfico e o crime organizado”, implementada em 2006 pelo governo mexicano. Ambos os momentos enquadram parte da genealogia da luta pela exigência feita ao Estado mexicano pela busca de pessoas desaparecidas, materializada na criação da “Lei Geral em Matéria de Desaparecimento Forçado de Pessoas, Desaparecimento cometido por Particulares e do Sistema Nacional de Busca de Pessoas”, em 2017, e na publicação do “Protocolo Homologado para a Busca de Pessoas Desaparecidas e Não Localizadas”, em 2020.

A “Guerra Suja” é considerada como o primeiro momento que visibiliza a luta contra o desaparecimento forçado, resultando na criação, em 1977, da primeira organização que reúne familiares de desaparecidos no México, o chamado “Comité Pro Defensa de Presos, Perseguidos, Desaparecidos y Exiliados Políticos”, nomeado tempos depois como “Comité Eureka” (Kuri,2018). Por outro lado, a guerra contra o narcotráfico provocou um cenário de violência que continua até hoje, e que nos primeiros seis anos de sua implementação já contabilizava 26.000 pessoas desaparecidas (Rosen e Zepeda, 2015).

Em 2014, ocorreu um dos episódios mais marcantes de desaparecimento de pessoas em nosso país, que se refletiu na exigência coletiva da apresentação com vida dos 43 estudantes da Escola Normal Rural de Ayotzinapa. A esta exigência, somaram-se as reivindicações das famílias dos desaparecidos, muitas das quais organizadas em coletivos há anos.

Buscas cidadãs e estratégias para as buscas

Forças Unidas pelos Nossos Desaparecidos em Nuevo León é um coletivo de familiares de pessoas desaparecidas e amigos solidários que começaram a organizar-se em abril de 2012 (FUNDENL, 2023). Desde então, através de diversas ações, o coletivo tem procurado, desde o ar e na terra, às milhares de pessoas e parentes desaparecidos que nos fazem falta, exigindo das autoridades correspondentes a procura e a localização imediata.

Diante da inação do Estado Mexicano, em outubro de 2015, começaram a realizar Buscas Cidadãs em Campo⁴, realizando explorações com ferramentas básicas como pás, facões e barras de ferro para examinar o território na procura de lugares de enterramento clandestino. Com o passar do tempo, essas famílias foram treinando e adicionando novas ferramentas às buscas. Foi assim que, graças ao testemunho da antropóloga Dra. Carolina Robledo, do Grupo de Investigação em Antropologia Social e Forense (GIASF), conheceram a importância do uso de drones para analisar as grandes extensões de terreno antes de ir diretamente às zonas e explorá-las, isto é, antes de realizar trabalhos em campo, tornando mais eficientes os recursos disponíveis e documentando fielmente o trabalho.

Ar-terra: a implementação de novas estratégias de busca

Em 2016, a FUNDENL realizou um evento público com a finalidade de obter recursos para comprar um drone. Com a venda desses bilhetes, o coletivo pode adquirir uma primeira aeronave: um DJI Phantom 3 standard. Nesse mesmo ano, com o apoio do especialista em drones Gerardo Espino, membros do coletivo se capacitaram e aprenderam como pilotar e obter imagens aéreas para a observação: do espaço de forma imediata, de caminhos para o acesso às áreas de interesse, das condições geográficas, assim como a identificação de riscos prováveis. Foi um grande desafio vencer o temor que as e os integrantes manifestaram sobre a possibilidade de a aeronave cair, pois o esforço para adquiri-la foi grande.

No ano de 2018, o arqueólogo Víctor Hugo García Gómez, um dos autores desse texto, com financiamento do Instituto para a Segurança e a Democracia A.C. (INSYDE), desenvolveu uma primeira oficina da qual participaram integrantes da Fiscalía Especializada em Pessoas Desaparecidas do estado de Nuevo León, do Instituto de Criminalística e Serviços Periciais e do Coletivo Forças Unidas pelos Nossos Desaparecidos em Nuevo León. A duração da oficina foi de 70 horas, das quais 60 foram distribuídas no desenvolvimento de aspectos teórico-práticos, tais como: aquisição de imagens aéreas mediante planificadores autônomos, processamento de imagens para a elaboração de modelos tridimensionais do terreno e de ortofotografias⁵ de alta resolução, e análise dos produtos obtidos para identificar áreas de interesse com potencial para realizar buscas mais específicas (os horários de trabalho foram das 9h às 19h, com uma hora para comer, distribuídos em seis dias; as 10 horas restantes foram destinadas para o levantamento de imagens aéreas em campo).

Essa experiência inicial permitiu às e aos integrantes de FUNDENL desenvolver as habilidades necessárias para a operação dos drones, implementando voos autônomos das áreas de interesse (Figura 1), adquirindo imagens de forma sistemática para a criação de ortofotografías de alta resolução para analisar o terreno (Figura 2), criando a partir delas estratégias para o desenvolvimento de atividades em campo como a prospecção terrestre, estratégias que se incorporaram como métodos para a busca de pessoas desaparecidas de maneira regular no coletivo. Da mesma forma, o coletivo foi somando mais ferramentas tecnológicas às suas ações, como dispositivos GPS, detectores de metais, softwares para a obtenção de informação geográfica e de análise (Google Earth, Qgis, entre outras).

Durante os anos seguintes, o uso de drones continuou por parte dos coletivos, mas não por parte das instituições estatais participantes da primeira oficina. A publicação, no ano de 2017, da Lei Geral em Matéria de Desaparecimento Forçado de Pessoas, Desaparecimento Cometido por Particulares e do Sistema Nacional de Busca de Pessoas (Lei Geral, 2017) e do Protocolo Homologado para a Busca de Pessoas Desaparecidas e Não Localizadas (Protocolo Homologado, 2020) exigiu a criação de instituições como a Comissão Local de Busca de Pessoas de Nuevo León para acompanhar os processos de busca, apoiando as Fiscalías nas buscas das e dos desaparecidos, com a implementação de tecnologias e estratégias. Não obstante, a implementação deste tipo de tecnologias ainda é algo que os coletivos esperam, mas não de forma passiva.

A escalada tecnológica

Recentemente, o coletivo adquiriu uma nova aeronave com maior autonomia de voo (até 46 minutos), maior distância de voo (até 15 km) e maior qualidade de imagem, tanto na fotografia como no vídeo (resolução de 20 megapixels e de 4k). O tamanho e o peso da aeronave se reduziram significativamente, o que representou uma vantagem em termos de transporte e de armazenamento, visto que necessita de menor espaço (Figuras 3 e 4).

Com a escalada tecnológica, surgiram novas necessidades, já que a resolução das imagens aumentou. Foi necessário maior capacidade de armazenamento dos arquivos digitais, o que se traduz num maior tamanho das unidades para o respaldo da informação capturada, mas também em cartões de memória de maior velocidade de escritura e de armazenamento das imagens que a aeronave capta durante a sua jornada de trabalho. Aos requerimentos anteriores, somaram-se os de maiores capacidades de processamento computacional, sendo necessário obter equipes com mais capacidade de processamento.

Num primeiro momento, o uso do drone foi para a observação do espaço de maneira imediata: os caminhos para acessar as aéreas de interesse para as buscas; as condições das áreas, tanto topográficas como vegetais, assim como a identificação de prováveis riscos, lembrando que as famílias mexicanas percorrem terrenos instáveis, barrancos e com a presença de grupos criminosos.

Num segundo momento, requereu-se um amplo trabalho complementar, tanto no âmbito da analítica como do gabinete, para: a realização de planos de voos, a obtenção de imagens áreas de forma autônoma, o descarregamento e o processamento de imagens, a elaboração de ortofotos ou ortomosaicos ⁶, a análise da informação para detectar traços de interesse (Figura 5), além de uma etapa de avaliação das características e dados detectados em campo.

O uso de drones tem permitido às famílias de FUNDENL identificar elementos associados com técnicas de desaparecimento no México, por exemplo, fossas clandestinas cuja elaboração deixa mudanças no solo, como a remoção da terra e, por conseguinte, mudanças na vegetação, algo que pode ser detectado com o uso dos drones. Quando se identificam elementos de interesse, as e os membros do coletivo se dirigem para essas zonas e realizam uma exploração minuciosa das áreas, com ajuda de ferramentas como pás, picaretas e barras de ferro.

Como já dito anteriormente, a espera da implementação de tecnologias para a busca por parte das instituições responsáveis não tem sido passiva. A FUNDENL segue, desde o ar e desde a terra, implementando estratégias que apoiam o trabalho de campo em matéria de busca, aprendendo que a aquisição de novos equipamentos não é suficiente, e que isso deve ser complementado com o desenvolvimento de novas estratégias de coordenação entre os membros do coletivo, assim como da atualização e capacitação para maximizar os recursos. As estratégias surgem em vários níveis, tanto da tecnologia, da operacionalidade e da análise, conhecimentos que as famílias buscadoras cada vez mais fazem seus na procura de quem elas e eles amam.

Figura 1 – Angelica Orozco pilotando a aeronave de FUNDENL (Fotografía de Víctor Hugo García Gómez)

Imagem: Víctor Hugo García Gómez

Figura 2 – Processamento de imagens para elaboração de modelos tridimencionais do terreno (esquerda) e ortofotografías (direita).

Figura 3 – Evaristo Reyes Gómez participando de testes de pilotagem do drone

Imagem: Víctor Hugo García Gómez

Figura 4 – Leticia Hidalgo desempacotando aeronave recém adquirida em novembro de 2022

Imagem: Víctor Hugo García Gómez

Figura 5 – Processamento e análise de ortomosaicos pelo Colectivo FUNDENL nas instalações do CIESAS nordeste

(Imagem: Víctor Hugo García Gómez).

Referências

FUNDENL (2013). ¿Quiénes somos? http://fundenl.org Gamiño Muñoz, Rodolfo (2020). La patria de los Ausentes: un acercamiento al estudio de la desaparición forzada en México. Universidad Iberoamericana, México.

INEGI (s.f). Imágenes de satélite. Instituto Nacional de Estadística y Geografía. https://www.inegi.org.mx/temas/imagenes/ortoimagenes/#Descargas https://www.dof.gob.mx/nota_detalle.php?codigo=5601905&fecha=06/10/2020#gsc.tab=0

Kuri, E. (2018). El “Museo Casa de la Memoria Indómita”: condiciones de producción y recepción de un espacio de memoria dedicado a la guerra sucia en México. Sociológica, vol. 33, n. 93, pp. 181-212. https://www.redalyc. org/journal/3050/305054868006/html/

Ley General en Materia de Desaparición Forzada de Personas, Desaparición Cometida por Particulares y del Sistema Nacional de Búsqueda de Personas (2017). Diario Oficial de la Federación. https://www.diputados. gob.mx/LeyesBiblio/pdf/LGMDFP.pdf

Protocolo Homologado para la Búsqueda de Personas Desaparecidas y No Localizadas (2020). Diario Oficial de la Federación. https://www.dof.gob.mx/nota_detalle.php?codigo=5601905&fecha=06/10/2020#gsc.tab=0

Rosen, Jonathan y Zepeda Martínez, Roberto (2015). La guerra contra el Narcotráficos en México: una guerra perdida. Reflexiones. Vol. 94, no. 1: 153-168.

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