Como gosto de pontuar, a intolerância religiosa não é um fenômeno social e religioso que acontece exclusivamente no Brasil. Um brevíssimo panorama sobre as Histórias nos permite enxergar que a intolerância ainda é um dos maiores desafios para a construção da coexistência pacífica em várias partes do mundo. A intolerância religiosa, assim como o racismo, ainda é um dos maiores desafios para construção de uma sociedade mais igualitária. Um desafio que vem se arrastando ao longos dos séculos e se infiltrando dentro da sociedade brasileira.
Uma das melhores representações que gosto de ter sobre a intolerância religiosa é compará-la ao imenso e destruidor monstro marinho Leviatã, descrito em várias mitologias como o destruidor, que ataca ferozmente suas vítimas com os seus imensos oito tentáculos. Mas, na contemporaneidade, o nosso Leviatã se chama intolerâncias e, diferente das mitologias, cada tentáculo tem um nome e é enrijecido cotidianamente pelas estruturas políticas e econômicas brasileiras. E podemos nomear os tentáculos desse grande monstro: racismo, misoginia, homofobia, transfobia, xenofobia, machismo, desigualdade e intolerância. Juntos, esses tentáculos permeiam nossas relações sociais, políticas, econômicas e religiosas deixando seus rastros de destruição, desagregação e desigualdade por onde passa.
Provavelmente, se olharmos atentamente dentro do ‘nosso’ Leviatã contemporâneo, entre as intolerâncias, salta aos nossos olhos a intolerância religiosa, que vem ceifando vidas, deixando vítimas e provocando danos irreversíveis. Bom, antes de prosseguir com as nossas exposições quero ressaltar que digo ‘nosso’ Leviatã, porque compreendo que o monstro das intolerâncias foi gerado e gestado por toda a sociedade brasileira e se ele ainda existe é porque não conseguimos resolver e promover ações efetivas para a promoção das tolerâncias em nossas sociedade. Um exemplo para tal constatação é observarmos que mesmo garantida por lei, a liberdade religiosa não é uma realidade para as religiões em solo brasileiro.
“É inviolável a liberdade de consciência e de crença, assegurando o livre exercício dos cultos religiosos e garantindo, na forma da lei, a proteção aos locais de culto e as suas liturgias” nos diz a Constituição Federal em seu artigo 5° VI. Mas
os dados apresentados no livro Intolerância Religiosa no Brasil: Relatório e Balanço nos revelam que 71% dos casos são intolerâncias contra adeptos das religiões afro-brasileiras.
Imagem: Acervo pessoal Ivanir dos Santos
Mesmo publicado em 2017, pelo Centro de Articulação de Populações Marginalizadas, em parceria com a editora Klíne, os dados nos revelam uma nefasta realidade que assola a todas as minorias religiosas representativas no Brasil, que durante muitos anos usou o slogan “Somos todos iguais” e é lido no exterior como “o país das igualdades”. Infelizmente, diante das conjunturas atuais políticas, sociais e econômicas, decorrentes das circunstâncias provocadas pela pandemia da Covid-19, tivemos um crescimento significativo do acirramento das desigualdades no nosso país. Precisamos aqui pontuar que pouco mais de um ano e meio da descoberta do coronavírus, o Brasil ainda vive um cenário de incertezas, devastado pela miséria, pela fome e pela falsa ideia de democracia social e racial que camufla as desigualdades. Circunstâncias sociais que só serão possíveis de serem amenizadas quando começarmos a promover a tolerância cotidianamente. Ações voltadas para o fortalecimento da equidade social, da comunhão com o próximo, do diálogo inter-religioso, o respeito às diversidades e à pluralidade, como as desenvolvidas, desde de 2008, pela Comissão de Combate à Intolerância Religiosa (CCIR) que carrega as bandeiras dos diálogos e do respeito mútuo como estratégia de promoção da tolerância fortalecendo as lutas e resistências em prol da equidade e da tolerância religiosa.