Vacina Maré: Ciência, Mobilização e Articulação nas 16 Favelas da Maré

Eliana Sousa Silva, Redes da Maré Luna Escorel Arouca, Redes da Maré
Imagem: Acervo Redes da Maré

A Maré é o maior conjunto de favelas do Estado do Rio de Janeiro. Nessa região moram em torno de 140 mil pessoas, distribuídas em 16 favelas. Atualmente, a população da Maré é majoritariamente negra e feminina¹. Geograficamente, a Maré está localizada entre as principais vias de acesso da cidade – Avenida Brasil e Linhas Amarela e Vermelha, tendo como vizinha duas grandes instituições de ensino e pesquisa: a Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e a Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz). A Maré está, portanto, no coração da cidade.

¹ Censo Maré, 2010.

Graças às diferentes formas de mobilização coletiva e negociação com o poder público, hoje se fazem presentes na Maré 49 escolas públicas, 2 postos do Departamento de Trânsito do Estado do Rio de Janeiro (Detran) e um posto da Companhia Municipal de Limpeza Urbana da Cidade do Rio de Janeiro (Comlurb). No que tange ao acesso à saúde, a Maré conta com três Centros Municipais de Saúde (CMS) e quatro Clínicas de Saúde da Família e uma Unidade de Pronto Atendimento (UPA). A Fundação Oswaldo Cruz teve um papel central na construção da atenção primária na Maré. Nos anos 80, profissionais da instituição desenvolveram programas de formação de agentes populares comunitários, base para a estruturação da saúde pública no território. Desde então, a Fiocruz se faz presente no conjunto de favelas através da cooperação com diferentes organizações e coletivos.

A partir dessa parceria histórica, no início da pandemia, a Redes da Maré, organização da sociedade civil que atua há mais de 20 anos no território, buscou orientação junto à presidência da Fiocruz para ações de controle e mitigação da pandemia no território. Desse diálogo surgiu o projeto Conexão Saúde: de olho na covid. A experiência reúne seis organizações (Fiocruz, SAS Brasil, Redes da Maré, Dados do Bem, Conselho Comunitário de Manguinhos e União Rio) para oferecer à população dos dois territórios de favelas cariocas (Maré e Manguinhos) serviços de testagem, telessaúde e isolamento domiciliar, com o objetivo de reduzir o impacto da pandemia de Covid-19. Os resultados desse projeto foram significativos para o controle da doença, apoio aos moradores e redução da mortalidade no território. Após 15 de semanas de funcionamento do Conexão Saúde foi possível observar a redução em 86% das mortes por covid na favela da Maré. Ao total o projeto já realizou mais de 30 mil testes de PCR, 10.500 consultas de telessaúde, acompanhamento e apoio para o isolamento domiciliar de mais de 1.000 famílias com pessoas que testaram positivo para Covid – além de múltiplas ações de comunicação territorial.

A capacidade do projeto de acompanhar e produzir dados sobre a pandemia no território permitiu a elaboração de uma pesquisa, composta por dois estudos, sobre a eficácia da vacina. O primeiro visa acompanhar o desenvolvimento da pandemia no território através da identificação e testagem de pessoas sintomáticas. O segundo irá acompanhar 2 mil famílias durante 6 meses avaliando a proteção indireta nos núcleos familiares. Junto ao estudo foi acoplada uma ação de vacinação em massa que em 4 dias vacinou 36 mil jovens entre 33 e 18 anos, atingindo assim a totalidade de 99,14% da população adulta vacinada.

Para o êxito da vacinação em massa, foi fundamental mobilizar diferentes atores e frentes no território garantindo assim a adesão do maior número de pessoas. A Redes da Maré, contou com a estrutura, legitimidade e capacidade de articulação, desenvolvida nos 20 anos de atuação e potencializada no último ano com a mobilização da campanha Maré diz não ao coronavírus2. Trabalhadores da Redes da Maré, voluntários e moradores se envolveram no processo de comunicação, porta a porta, convocando e informando os moradores com megafone, flyer, carro de som, etc.

Imagem: Acervo Redes da Maré

As associações de moradores foram peças chaves na mobilização, servindo inclusive como ponto de vacinação durante a campanha. Comunicadores e influenciadores se envolveram produzindo conteúdo virtual e mobilizando os jovens através de suas redes. Artistas também se engajaram com vídeos informativos convocando a população a aderir à vacinação. A prefeitura por sua vez, através da secretaria de saúde, alocou profissionais de outras áreas programáticas e mobilizou voluntários para os dias de vacinação, além de fornecer a estrutura física das unidades de saúde. A secretaria de educação se somou a esse esforço garantindo pontos de vacinação nas escolas, com o apoio dos profissionais da educação, chegando a 130 pontos de vacinação. Foi portanto uma ampla e rápida mobilização que contou com diversos tipos de conteúdo e diferentes atores.

Imagem: Acervo Redes da Maré

A pesquisa proposta pela Fiocruz vai produzir informações fundamentais sobre o desenvolvimento da pandemia em um território de favela, permitindo apontar as demandas da população em relação à saúde no pós-pandemia. No entanto, o impacto da pesquisa não se limita aos dados e informações que ela visa produzir. Esse impacto já começou: a mobilização no território, a articulação entre diversas organizações e lideranças, a mobilização de recursos e a visibilidade positiva sobre essa região, já são vitórias da união entre ciência, poder público e sociedade civil organizada. Esperamos que essa sinergia possa inspirar o poder público na implementação de propostas inovadoras que nascem do território.

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